Título: Subsídio agrícola da UE vai mais para grandes empresas
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2005, Internacional, p. A7

A maior parte dos subsídios agrícolas concedidos pela União Européia vai para grandes empresas agroindustriais e grandes produtores rurais, inclusive membros de famílias reais. A revelação da lista dos beneficiários, feita ontem pela organização não governamental Oxfam, deve gerar polêmica na Europa e colocar mais pressão pela reforma da Política Agrícola Comum (PAC), especialmente sobre o governo da França. Oxfam, com sede no Reino Unido (país que defende a redução dos subsídios), mostrou que o príncipe Albert, de Mônaco, é um dos que mais embolsam ajuda que a rigor deveria servir a pequenas famílias de agricultores. Com fortuna estimada em mais de US$ 2 bilhões, o príncipe ganhou subvenção de 287 mil euros no ano passado para uma produção de cereais de 700 hectares na Franca, perto de seu principado. "Fiquei com pena, até achei que a gente não devia ficar pedindo para cortarem os subsídios", comentou em tom irônico o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao ser questionado sobre a lista. A Oxfam antecipou-se à Comissão Européia (CE, órgão executivo da UE), que planeja revelar amanhã, pela primeira vez, quem são os principais beneficiários dos enormes subsídios agrícolas europeus. Nem todo mundo está contente com essa repentina transparência, mas a UE diz que "os cidadãos precisam saber para onde vai o dinheiro de seus impostos." A Oxfam desmonta o argumento do governo francês pela manutenção dos subsídios, que deveriam ser prioritariamente proteger pequenos agricultores. Os US$ 52 bilhões anuais para a agricultura são destinados principalmente aos maiores e mais ricos proprietários de terra da Europa, incluindo grandes companhias e famílias reais. Na Inglaterra, a rainha Elizabeth II e a companhia de açúcar Tate & Lyle estão entre as principais beneficiárias. Na Espanha,os sete principais beneficiários receberam juntos o equivalente ao que foi dado a outros 12.700 pequenos agricultores. Na Holanda, os principais beneficiários de ajuda direta e subsídio à exportação entre 1999 e 2003 foram a filial holandesa da empresa de doces Mars, a cervejaria Heineken e a empresa de tabaco americana Philip Morris. Os 15% que mais receberam na França (grandes empresas agrícolas) ficaram com 60% do total de subsídios distribuídos pelo país. Já os pequenos agricultores (cerca de 70% dos beneficiários) embolsaram apenas 17% dos subsídios. "Isso desmente o argumento francês de que os subsídios europeus sustentam os pequenos agricultores", disse Celine Charveriat, encarregado de comércio da Oxfam. A entidade diz que sua lista se baseia em dados da própria CE. "Sem querer me envolver na política interna da Franca, diria como analista que sobraria mais para os gastos sociais se dessem menos subsídios agrícolas", respondeu Amorim ao ser indagado sobre as ameaças de veto do presidente Jacques Chirac a um acordo que corte substancialmente as tarifas agrícolas européias. O ministro referiu-se indiretamente aos distúrbios envolvendo jovens imigrantes nas principais cidades da França. "A Europa tem de enfrentar a necessidade de reformar a sua Política Agrícola Comum após as revelações de desigualdade", diz a Oxfam. "A PAC é uma bonança para os maiores e mais ricos agricultores da Europa. Não queremos que a PAC seja desmantelada, mas que seja mudada para que ajude a pequena agricultura e a produção ecologicamente correta, e não o grande agro-negócio exportador." Ministros e parlamentares de vários países também estão na lista de beneficiários. Entre os países, a França é o maior receptor, com US$ 14 bilhões dos US$ 52 bilhões gastos anualmente pela UE.