Título: Europa terá onda de protestos; Paris tem toque de recolher
Autor: Agências internacionais
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2005, Internacional, p. A7

Imigração Distúrbios preocupam países com muitos imigrantes; Alemanha e Bélgica registram incidentes

A França autorizou ontem a imposição de toque de recolher nos subúrbios de Paris afetados pelos distúrbios há quase duas semanas. A medida foi aprovada após reunião de emergência do governo, e pode ser seguida por outras cidades francesas. Outros países da Europa com grande população de imigrantes começam a se preocupar com a possibilidade de os distúrbios se espalharem pelo continente. Na Alemanha, carros foram queimados em duas cidades: Berlim e Bremen. O mesmo ocorreu em Bruxelas, a capital belga. O primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin, prometeu uma resposta "firme e justa" e anunciou um contingente extra de 9.500 homens para proteger as áreas de distúrbios - 1.500 reservistas foram convocados. "Sempre que for necessário, lançaremos mão do toque de recolher", advertiu Villepin, que ainda não quis envolver o Exército no conflito, como alguns pediam. A violência chegou também a Toulouse, no sul da França, onde um ônibus e 21 carros foram incendiados, e policiais agredidos com coquetéis molotov. Em Paris, o toque de recolher teve início na noite de ontem em Raincy, Aulnay-sous-Bois e Noisy. As 12 noites de distúrbios atingiram 300 bairros, distritos e cidades francesas, com um saldo significativo de destruição: 4.700 carros queimados, 1.200 pessoas levadas para depoimento, 599 presas e 108 feridos. Ontem, foi registrada a primeira vítima fatal - um homem de 61 anos que fora espancado por uma pessoa encapuzada na sexta-feira. Lojas, igrejas e escolas foram depredadas. Londres, Berlim, Amsterdã, Bruxelas e outras cidades com grandes comunidades de imigrantes estão em alerta para quaisquer sinais de atitudes que tentem imitar os tumultos que estão abalando a França. Ontem, houve registros isolados de tumultos em duas cidades alemãs - cinco carros foram incendiados em Berlim e seis em Bremen - e também em Bruxelas. Autoridades européias ressaltaram que a França possui circunstâncias singulares, e que outros países não devem enfrentar o mesmo tipo de instabilidade social. Mesmo assim, países com grandes comunidades estrangeiras estão atentos. "Todo mundo está preocupado com o que está acontecendo", disse ontem o premiê britânico, Tony Blair. "Nunca se deve ser complacente com essas coisas, mas acho que nossa situação é, em certos aspectos, diferente". A violência nos arredores de Paris começou aparentemente por causa da insatisfação de minorias étnicas com o racismo, o desemprego e a repressão policial. Muitos dos envolvidos são cidadãos nascidos na França mas de ascendência árabe ou africana. Boa parte se sente aprisionada na periferia, em conjuntos habitacionais construídos nos anos 60 e 70 para abrigar imigrantes. Há quem fale ainda no início de conflito étnico-religioso mais amplo na Europa. "As condições na França são diferentes das que temos aqui", disse Wolfgang Schäuble, ministro do Interior indicado do novo governo da Alemanha, ao jornal "Bild". "Não temos os conjuntos habitacionais gigantescos que se vêem nos subúrbios das cidades francesas. Mas temos, sim, áreas em que os estrangeiros estão cada vez mais dissociados do resto da sociedade. Precisamos aumentar a integração, principalmente dos jovens." Todo dia 1º de maio, Berlim enfrenta tumultos. Em Kreuzberg, bairro que antes abrigava imigrantes e que agora é de classe alta, carros de luxo são ocasionalmente incendiados por extremistas de esquerda. Mas não há um elemento étnico nos ataques. A Alemanha tem a segunda maior comunidade islâmica da Europa depois da França, com cerca de 3,2 milhões de muçulmanos, a maioria turcos. Em Roma, o líder da oposição, Romano Prodi, foi acusado de incitar a violência ao afirmar que as cidades italianas poderão ter de enfrentar o mesmo tipo de distúrbio que afeta a França. Ele disse que o governo precisa tomar medidas urgentes para melhorar a vida nas periferias mais pobres da Itália se quiser escapar do problema no futuro. "Temos as piores periferias da Europa", disse Prodi. "Não creio que as coisas sejam tão diferentes de Paris. É uma questão de tempo." Na Holanda, onde quase 20% da população é de origem estrangeira, os tumultos franceses também preocupam. "Não quero dizer que isso nunca acontecerá aqui. Só que talvez ocorra numa escala muito menor", disse Han Entzinger, professor de estudos migratórios e de integração da Universidade Erasmus, em Roterdã, ao jornal "Algemeen Dagblad". "Na França, há uma mistura explosiva. Os conjuntos habitacionais dos subúrbios foram construídos para os recém-chegados. Há uma enorme diferença em relação ao que ocorre aqui. Nossos imigrantes foram para os bairros que já existiam, com casas de melhor qualidade". Na Bélgica, a Liga Árabe Européia, que foi acusada dos tumultos raciais que atingiram Antuérpia em 2002, disse que o país tem condições semelhantes às francesas para a ocorrência da violência. "Um incidente pode colocar fogo na situação", disse Karim Hassoun, presidente da Liga no país.