Título: A verdade é a melhor vacina
Autor: William Pesek Jr
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2005, Opinião, p. A9

Governos asiáticos não têm sido francos ao dar informações sobre o surto de gripe aviária

Se a economia mundial for atingida por uma pandemia de gripe aviária, boa parte da culpa poderá ser da tendência dos governos asiáticos de permanecerem inertes diante de más notícias. O fato assustador é que os governos na Ásia não são totalmente francos sobre os riscos à saúde com os quais se defrontam seus países. Isso já aconteceu no continente durante surtos anteriores da variante H5N1 da gripe aviária e, em 2003, com a sars (síndrome respiratória aguda grave). A atitude agora poderá vir a se repetir. Considerando o que está em jogo, não é de surpreender que as autoridades governamentais queiram evitar o pânico, que prejudicaria o comércio e o turismo. Como destaca Jong Woo Lee, diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), os prejuízos resultantes da sars, que matou menos de mil pessoas, ultrapassou US$ 30 bilhões. A gripe aviária poderá matar milhões de pessoas, o que amplia exponencialmente os riscos econômicos. Costuma-se dizer que o que "entrega" o criminoso não é o crime, mas o acobertamento. A China aprendeu essa lição de Watergate quando tentou ocultar a gravidade da crise da sars. Foi somente depois de pressões externas e da ação de alguns delatores chineses que as autoridades de Pequim passaram encarar a sars com seriedade e a divulgar estatísticas reais. A Tailândia criou problemas de credibilidade para si própria no início de 2004, quando seu governo foi acusado de acobertar a gravidade dos problemas decorrentes da gripe aviária no país. Ficou a impressão de que as autoridades de Bangcoc julgaram ser mais importante preservar seus setores de exportação de aves e de turismo do que a saúde pública. Esperemos que a Ásia tenha aprendido com esses erros. "Governos e agências internacionais precisam atuar com transparência e divulgar informações precisas e oportunas", exortou o Banco de Desenvolvimento Asiático (BDA) na semana passada, em um relatório sobre o possível impacto de uma pandemia na Ásia. Essa questão é extremamente relevante para os mercados financeiros. Se os governos asiáticos não informarem corretamente sobre questões de saúde pública, os investidores terão toda razão para duvidar da confiabilidade das informações que recebem sobre suas economias, mercados e companhias. Em 1º de novembro, a gripe aviária já tinha infectado 122 pessoas na Tailândia, Vietnã, Camboja e Indonésia desde 2004, matando 62 pessoas, segundo a OMS. O problema é que a doença poderá escapar de controle em alguns países antes que as autoridades internacionais tenham conhecimento, e o vírus poderá atravessar fronteiras desguarnecidas. Cada infecção humana incrementa as chances de a gripe aviária sofrer mutações e disseminar-se rapidamente. A Indonésia, por exemplo, é o quarto país mais populoso do mundo. Os investidores deveriam ficar preocupados, em vista da política inicial de sigilo por parte do governo, ao enfrentar a gripe aviária, e de sua relutância em acelerar o abate em massa de aves potencialmente infectadas.

Se não houver transparência, os investidores terão toda razão para duvidar das informações recebidas sobre as economias daqueles países

E então temos a China, que, sejamos francos, tem alguns problemas de credibilidade quando se trata de reportar sobre riscos para a saúde pública. Não se trata apenas de a China já ter sido "epicentro" de epidemias, mas também do empenho de Pequim em intensificar o controle sobre a mídia no que diz respeito a notícias sobre a gripe aviária. Em caso de surto de gripe aviária, o compartilhamento de informações poderá ser muito mais importante do que a estocagem de vacinas. "Se investíssemos 10% do dinheiro que estamos gastando em antivirais e vacinas na construção de infra-estrutura e em ajuda para que os países monitorassem a presença (do vírus) nas aves, e criássemos incentivos para que os criadores reportassem anormalidades, resolveríamos o problema e nunca teríamos de enfrentar uma pandemia", diz Alejandro Thiermann, presidente da Programa Internacional de Saúde Animal, da Organização Mundial para Saúde Animal. O pagamento de indenizações aos criadores pelo abate de aves e para assegurar que o comércio não seja paralisado indefinidamente também incrementaria a transparência e retardaria a disseminação entre as aves, reduzindo, assim, o risco para humanos. Em Bangcoc, recentemente, donos de galos de briga disseram-me preferir esconder suas aves, cujos preços podem chegar a US$ 10 mil, do que as entregar às autoridades governamentais. Esse risco é bem maior em países menos ricos, que não dispõem dos recursos para indenizar os criadores de aves por seus prejuízos. "Isso cria muitas incoerências em nosso gerenciamento do problema", diz Ong Keng Yong, secretário-geral da Associação dos Países do Sudeste Asiático (Asean). "Nosso objetivo é trabalhar com transparência junto com todos os especialistas e, tão logo surja um problema, tentar contê-lo na área em que for identificado." Não há tempo a perder. A economia mundial é cada vez mais dependente do aquecido crescimento asiático e o avanço da região poderá ser contido pela disseminação da doença. Surtos em economias de menor porte na Ásia colocarão em risco economias maiores que mantêm vínculos mais profundos com o sistema financeiro mundial. Segundo o BDA, uma pandemia poderá reduzir o crescimento da Ásia para "praticamente zero". O banco vê dois cenários possíveis. Num deles, o impacto psicológico seria de curta duração, prejudicando a demanda durante dois trimestres e reduzindo em 2,3 pontos percentuais o Produto Interno Bruto (PIB) asiático em 2006. No segundo cenário, a demanda ficaria deprimida durante quatro trimestres, o que diminuiria o crescimento do PIB asiático em 6,5 pontos percentuais, para 0,1%, e faria com que a economia mundial encolhesse 0,6% no ano que vem. As coisas poderão tomar um rumo muito pior, se os líderes asiáticos não disserem a verdade sobre a gripe aviária.