Título: Fisco autua empresas que usam debêntures para reduzir impostos
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2005, Especial, p. A10

Tributação Receita Federal alega que as emissões são compradas por acionistas e não geram dinheiro novo

Uma operação que usa a captação de recursos via emissão de debêntures para permitir redução de tributos das empresas é o mais novo alvo do Receita. Considerada por advogados um produto de "prateleira", porque pode ser usada em uma série de casos, a operação deu origem a uma economia incalculável de tributos desde 1990. Das quatro autuações já julgadas pelo Conselho de Contribuintes sobre o assunto, duas - da Natura e da Viação Águia Branca - tiveram decisão favorável ao fisco. A esperança das empresas está no caso do Vasco da Gama. O time de Eurico Miranda conseguiu derrubar a autuação. O quarto caso, embora tenha tido decisão favorável à companhia, não é levado em consideração por tributaristas, porque a fiscalização autuou o comprador das debêntures e não o emissor. A operação "debêntures" é simples. O comprador dos papéis é remunerado com juros e/ou participação no lucro. A vantagem da empresa é que essa remuneração é dedutível do Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Se o lucro fosse distribuído como dividendo, a dedução não seria possível. Como a emissão de debêntures e a dedução da remuneração são previstas em lei, advogados dos principais escritórios de advocacia defendem que o planejamento envolve uma sucessão de operações totalmente legais. Mas o fisco tem questionado emissões de debêntures nas quais não se capta nenhum dinheiro novo, porque os papéis são integralmente comprados pelos próprios acionistas e pagos com recursos que em nenhum momento saem da empresa. Como se os mesmos recursos mudassem de classificação na contabilidade apenas para gerar despesas dedutíveis. No caso da Natura, cinco acionistas adquiriram debêntures em 1998 e 1999 e pagaram os papéis com lucros acumulados e ainda não distribuídos a que faziam jus junto à fabricante de cosméticos. Conforme recebiam a remuneração dos papéis, os acionistas usavam imediatamente os valores para comprar novas debêntures emitidas pela empresa. As transferências eram apenas contábeis. Na prática, o lucro acumulado nunca saiu da empresa. Não houve circulação dos valores e, por isso, não houve pagamento de CPMF. Ao fim de mais de um ano, todo o valor de lucro acumulado junto aos acionistas havia se transformado em capital dos debenturistas que, coincidentemente, eram os próprios acionistas. A Receita Federal calcula que a operação permitiu à empresa reduzir em 70% o IR e a CSLL devidos. Pela decisão do Conselho, a empresa teria a pagar cerca de R$ 13 milhões, em valores de junho de 2003. O total de debêntures lançadas foi de 140 mil, correspondentes a R$ 140 milhões. Cada debênture dava direito a remuneração de cinco milésimos de participação nos lucros. A remuneração prevista para o total dos papéis emitidos alcançava, portanto, 70% dos lucros da empresa. O tamanho da remuneração das debêntures influencia diretamente o abatimento que a empresa terá em seus tributos. No caso da Natura, o percentual de 70% foi considerado "não usual" e "não razoável" pelo Conselho. Ao defender-se na autuação fiscal, a companhia alegou que todas as operações são lícitas, inclusive a dedução no imposto e o pagamento das debêntures com créditos contabilizados a favor dos acionistas. A empresa alegou que usou do seu livre exercício de atividade econômica em operações que não violam qualquer legislação. Ao analisar a autuação contra a fabricante de cosméticos, a decisão da Primeira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes concluiu que não houve entrada de recursos novos na Natura. Portanto, a emissão de debêntures teria sido "desnecessária", realizada com o único intuito de gerar deduções tributárias, sem qualquer objetivo empresarial. Procurada, a Natura informou que não comenta a decisão porque entende que o processo ainda não está encerrado. O caso da Viação Águia Branca também envolveu compra de debêntures por acionistas. A diferença é que a compra dos papéis por acionistas aconteceu seis dias após uma redução de capital de R$ 25 milhões, o mesmo valor do total das debêntures emitidas pela companhia capixaba de transporte rodoviário. Em dezembro de 1995, seis meses depois da emissão de debêntures, aconteceu o que o fisco considerou uma nova "coincidência". A empresa aprovou aumento de capital no valor de R$ 26,19 milhões. O montante foi integralizado por acionistas usando os créditos que eles tinham como debenturistas. A remuneração das debêntures possibilitou à empresa uma dedução em torno de R$ 8 milhões no IR e na CSLL. No caso da Águia Branca, a operação deu uma vantagem tributária adicional na redução da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS). Isso porque o planejamento reduziu o IR da empresa e a transportadora pagou o PIS calculado a 5% do IR. Além de apontar a legalidade das operações, a companhia capixaba argumenta que a operação com debêntures teve um objetivo empresarial. Segundo ela, a idéia foi captar recursos para viabilizar a ampliação das operações da companhia no Mercosul. Os negócios, porém, foram infrutíferos e, por isso, a transportadora decidiu reverter as operações. Em resultado semelhante à da Natura, a Terceira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes concluiu que não houve entrada de recursos novos, já que a compra dos papéis por acionistas foi antecedida de redução de capital no mesmo valor. Os conselheiros levaram em consideração a falta de movimentação efetiva dos recursos. Na prática, dizem eles, nem a redução de capital provocou saída de recursos da empresa e nem o pagamento pela aquisição dos títulos resultou em ingresso, assim como o aumento de capital. O consultor jurídico da empresa, Eliodoro Silva, diz que a transportadora irá recorrer da decisão do Conselho e reitera que todas as operações realizadas com debêntures foram lícitas. Segundo conselheiros informaram ao Valor, o único julgamento com derrota do fisco sobre o planejamento das debêntures deve ser creditado ao fato de o Vasco da Gama ter sido convincente ao demonstrar que houve entrada de recursos novos na sociedade. Os papéis foram comprados pelos acionistas, mas a operação de emissão não foi precedida por redução de capital ou outro expediente semelhante. Ou seja, teria havido efetivo ingresso de recursos novos com a compra dos títulos emitidos em março de 1998. A fiscalização autuou o clube carioca porque as debêntures foram compradas por acionistas, e não por terceiros. Esse item, porém, não foi considerado suficiente para descaracterizar a necessidade de emissão dos papéis. Procurado pelo Valor, o Vasco da Gama não retornou as ligações.