Título: Lamy aponta riscos de novo fiasco
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2005, Brasil, p. A3

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, advertiu ontem que um fiasco nas negociações da Rodada Doha pode levar os principais países industrializados a aumentar em US$ 57 bilhões seus subsídios agrícolas, agravando as distorções que afetam hoje o comércio global. Às vésperas de uma reunião de representantes do Brasil, dos Estados Unidos, da União Européia, da Austrália e da Índia, prevista para segunda-feira em Londres, Lamy pediu aos países que mostrem "flexibilidade". Argumentou que um fiasco da Rodada Doha seria "cruel" para os países em desenvolvimento e afetaria o sistema multilateral de comércio e a economia global. Lamy defendeu as propostas já colocadas na mesa, que, segundo ele, podem levar a importante liberalização comercial. Mas reiterou que nos próximos dias as negociações precisam avançar "ainda mais" em todas as áreas. Ele insistiu que o momento não é para atitudes do tipo "pegar ou largar" e sim para combinar flexibilidade com ambição e coragem política para desbloquear as negociações e concluí-las no ano que vem. O diretor-geral da OMC considera que "propostas sérias" na agricultura já abrem o caminho para resultados que são "mais que o dobro do que foi alcançado na Rodada Uruguai" em subsídios. Segundo ele, "propostas conservadoras" de corte de tarifas e aumento de cotas agrícolas são suficientes para garantir "real acesso aos mercados". Agora, ele espera movimentos para permitir convergência e acordos na decisiva reunião ministerial marcada para dezembro, em Hong Kong. Advertiu que, em caso de fiasco na rodada, todos vão perder, mas alguns países mais que outros, já que "a falta de futura reforma no setor agrícola nas nações ricas tornará a situação ainda pior". Exemplificou que, se não houver compromissos de futuros cortes nos subsídios, os Estados Unidos poderão gastar por ano mais US$ 5 bilhões pela "caixa amarela" (os subsídios que mais distorcem o comércio, como garantia de preço que estimula excesso de produção), a União Européia cerca de US$ 25 bilhões, o Japão também US$ 25 bilhões e o Canadá US$ 2 bilhões. Tudo isso sem violar as regras existentes da OMC, já que tem autorização para gastar acima dos níveis atuais. Lamy insistiu na importância de a rodada ser concluída para levar à eliminação de altas tarifas impostas pelos países ricos sobre produtos industriais seletivos das nações em desenvolvimento. Sua avaliação é de que um fiasco na Rodada Doha provocará perdas entre US$ 50 bilhões e US$ 250 bilhões somente na área industrial. O recado para o Brasil parece claro, ainda mais que Brasília resiste a fazer movimentos nas outras áreas de negociação enquanto não houver melhora na oferta agrícola européia. Num discurso de 15 páginas em homenagem a um ex-diretor do antigo Gatt (que precedeu a OMC), o suíço Arthur Dunkel, verdadeiro pai da Rodada Uruguai (1986-1994), Lamy martelou na importância da Rodada Doha para ampliar as oportunidades de negócios e melhorar "justiça e equidade" nas regras do comércio global. Lamy destacou a "clareza e a coordenação" dos interesses dos países em desenvolvimento na atual rodada, que ele atribui ao G-20, o grupo liderado pelo Brasil na negociação agrícola. "O G-20 deu nova dinâmica à negociação e melhor qualidade na liderança dos países em desenvolvimento", disse. Em contrapartida, Lamy vê no momento pontos comuns "surpreendentes" entre a Rodada Uruguai e a Rodada Doha: "O medo de mudanças, uma forte visibilidade política, táticas protelatórias e bloqueio de certos temas para fazer pressão sobre outras partes, tomada de refém (da negociação)."