Título: Bush discutirá democracia e comércio com Lula
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2005, Brasil, p. A3
Relações externas Presidente americano destacará papel que Brasil desempenha para a estabilidade regional
As negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) e a promoção da democracia no continente, especialmente contra as ameaças que o governo americano vê no governo de Hugo Chávez, na Venezuela, são os principais temas da conversa que o presidente dos Estados Unidos, George Bush, pretende ter com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a visita que fará neste fim de semana ao Brasil. Bush pretende dar parabéns ao governo Lula pelo papel que desempenha para a estabilidade democrática na região, em ações como a missão de paz no Haiti e a intermediação entre as forças políticas na Bolívia. Mas os americanos não escondem que receberam com "perplexidade" o anúncio do ingresso da Venezuela como membro pleno do Mercosul - o governo uruguaio anunciou recentemente que a próxima reunião do bloco já deverá contar com a presença dos venezuelanos. "Causa perplexidade que se considere a (imediata) participação da Venezuela como sócio integral no Mercosul", reconheceu para o Valor o embaixador dos EUA no Brasil, John Danilovich, após ressalvar, porém, que o assunto não chegou a ser abordado por Bush, na conversa telefônica que o presidente americano manteve, na segunda-feira, com Lula. "Em geral, as discussões para acordos de livre comércio levam anos", explica. "Agora, parece não haver nenhuma razão econômica sólida, mas só, talvez, por alguma razão política, que a Venezuela parece estar entrando no Mercosul, sem negociação, sem exame de política comercial e capacidade de comércio", prossegue o diplomata. "É um desdobramento que causa perplexidade." A Venezuela de Chávez foi um dos temas tratados por Bush e Lula na conversa por telefone, há três dias, segundo confirma um assessor do presidente brasileiro. O teor da conversa é mantido em sigilo. O possível confronto entre Bush e Chávez, ácido crítico da política externa americana durante a reunião da Cúpula das Américas, em Mar del Plata, na Argentina, amanhã e sábado, é um dos acontecimentos mais esperados do evento. Danilovich minimiza as expectativas. "O que se espera em uma reunião como essa é que os participantes possam se encontrar de uma forma séria." Um dos principais embates entre os diplomatas que prepararam o documento final do encontro foi a menção à Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Enquanto os EUA gostariam de fixar o ano de 2006 para reinício das negociações, paralisadas há dois anos, países como o Brasil se opõem a marcar data e a Venezuela rejeita qualquer menção à proposta, por preferir um acordo sem participação dos Estados Unidos. Para Danilovich, a retomada da Alca ainda em 2006 é prioridade para os EUA, que já tem um acordos de livre comércio com o Chile e tenta concluir negociações com Colômbia, Equador e Peru. "O Mercosul é a peça que falta no quebra-cabeça", diz o embaixador. Na conversa, em Brasília, como já mencionaram no contato telefônico no início da semana, Bush e Lula deverão discutir estratégias conjuntas para fazer avançar as negociações de liberalização comercial entre os países da OMC, que terão um encontro ministerial decisivo em dezembro, em Hong Kong, no qual a prioridade para o Brasil é a redução das distorções que afetam o comércio mundial de produtos agrícolas, nos quais o país é um dos mais competitivos do mundo. Os americanos, que, recentemente, apresentaram proposta de redução dos subsídios dos produtores agrícolas locais, acusam a União Européia de ser, hoje, o principal obstáculo ao êxito da rodada de negociações na OMC. "Fizemos um forte proposta, de redução substancial dos subsídios aos produtores americanos e esperamos que Europa e Japão façam movimentos similares para fazer avançar a negociação da OMC", diz o embaixador dos EUA, reproduzindo os argumentos levados por Bush a Lula. "O Brasil está na condição favorável de estar entre os países com menores subsídios agrícolas do mundo e pode ser persuasivo para convencer os outros países a adotarem as medidas certas." Danilovich comenta que a aliança na questão agrícola não diminui a expectativa dos EUA de maiores concessões do Brasil em outras áreas da negociação. "Mercados abertos são mais competitivos, dinâmicos, lucrativos. Por isso esperamos que o Brasil abra mais seu setor de serviços, especialmente o setor financeiro", adianta o embaixador. O mercado de seguros e resseguros é um dos principais alvos dos EUA no Brasil. As menções que Bush deverá fazer à atuação do Brasil no Haiti e na Bolívia (onde assessores do PT e de Lula têm mantido contato freqüente com o líder radical e candidato favorito às próximas eleições presidenciais, Evo Morales, a quem pedem moderação) são um dos pontos de aproximação que os dois presidentes deverão enfatizar no encontro que servirá como resposta de ambos contra os críticos, nos respectivos países, que apontam falhas nas políticas externas dos dois governos para o continente. Uma das críticas mais originais é do especialista em comércio e representante de exportadores Pedro Camargo Neto, que considera um equívoco a possível aliança Brasil-EUA na OMC. Ele lembra que os europeus são o maior comprador de produtos do Brasil e afirma que Lula tem de cobrar de Bush a redução real de subsídios danosos aos interesses brasileiros, como os subsídios dos EUA ao algodão, condenados na OMC. Danilovich afirma que o governo Bush já iniciou a discussão com o Congresso americano para essa redução. Camargo Neto diz que o Brasil não pode relaxar a pressão sobre os EUA. "Nossa estratégia não pode ser uma aliança com concorrente contra nossos maiores clientes", ironiza. Na Argentina, o secretário de Comércio dos EUA, Carlos Gutierrez, também abordou ontem o tema Alca. Ele pediu que a retomada das negociações sobre a criação do bloco seja incluída na agenda da Cúpula das Américas. Em discurso numa reunião empresarial em Buenos Aires, Gutierrez afirmou que a concretização da Alca é um "grande desafio" que deve ser encarado pelos líderes da região. Ele disse que o pacto defendido pelos EUA é "uma enorme oportunidade e a grande pergunta é quem poderá reconhecer isso, quem terá a valentia e a visão" para aderir ao acordo de livre comércio. Em uma tentativa de pressionar os países que se opõem à retomada das negociações do acordo hemisférico, Gutierrez disse que os líderes dos países americanos serão julgados "de acordo com os resultados" que conseguirem na direção de melhorar a qualidade de vida dos seus cidadãos. (Colaborou Paulo Braga, de Buenos Aires)