Título: FGV defende política cambial e alerta para "nova era" de taxas apreciadas
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2005, Finanças, p. C2

A alta dos preços das "commodities" nos últimos anos, puxada sobretudo pela decolagem da economia da China, pode ter criado, para o Brasil, "uma nova era de câmbio mais apreciado", que veio para durar, já que produziu uma brutal mudanças nos termos de troca. Taxa de câmbio é o tema da carta do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre /FGV), que será publicada na próxima edição da revista Conjuntura Econômica. A carta faz uma defesa enfática do regime de taxas de câmbio flutuantes, aponta para essa possível "nova era" de taxas apreciadas e levanta outras questões delicadas e controversas. Por exemplo, "o câmbio não deve ser administrado com o intuito de garantir a competitividade internacional de todos os produtos brasileiros", assinala o diretor do Ibre, Luiz Guilherme Schymura. Dito isso, o que fazer com setores da economia brasileira que não são competitivos com uma taxa mais apreciada é uma outra discussão, lembra ele. "Infelizmente, a opção, para esses setores, é a descontinuidade de suas atividades, a busca de mecanismos de salvaguardas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou uma decisão do governo de subsidiá-los, mas não através da taxa de câmbio", salienta Shymura. Um outro aspecto que a carta levanta é tão ou mais polêmico do que esse. Trata-se do receio de que a política cambial produza mudanças na pauta de exportação do país, com participação cada vez maior de produtos primários e básicos em detrimento dos bens industriais. A chamada "primarização". Embora este seja, na avaliação de Schymura, um tema prematuro, é útil lembrar de "um dos importantes ensinamentos do mestre Eugênio Gudin: não importa o quanto um país produz de bens primários ou industriais, mas sim o nível da produtividade em cada setor da sua economia". A partir da opção pelo sistema de taxas flutuantes, que tem suas vantagens, não faz sentido o governo intervir de forma maciça e permanente para perseguir um determinado objetivo de câmbio, nominal ou real. "Isso não significa que não possa haver alguma intervenção, como as atuais compras de dólares pelo Banco Central, com o objetivo duplo de reforçar as reservas cambiais e colocar um contrapeso em momentos no qual o mercado move-se em massa, e de forma muito afoita, numa só direção", assinala a carta. O diretor do Ibre acha que o atual patamar de reservas cambiais, de US$ 45,81 bilhões, já é bastante confortável, mas reconhece que o mercado tem trabalhado mais com a hipótese de acumulação de reservas cambiais na casa dos US$ 60 bilhões. A constatação de que o regime de câmbio flexível é o mais indicado não esgota o debate. Os que advogam taxas mais desvalorizadas sustentam que o câmbio está "errado" e, portanto, caberia ao governo trazer a cotação para o lugar certo seja através da compra maciça de dólares, pela drástica redução da taxa de juro ou por controle do fluxo de capitais. Olhando pelo critério da dependência de capitais externos, "não há a mínima base de sustentação para a tese de que o câmbio no Brasil está errado", já que o país acumula, pelo segundo ano, superávit em conta corrente de quase 2% do PIB, diz a carta. Os demais indicadores também estão bem: superávit fiscal primário acima de 4% do PIB; e exportações crescendo a 23%, na comparação janeiro a setembro de 2004 com igual período de 2005. Para saber se a taxa de câmbio atual "está errada", seria necessário estabelecer quando esteve correta. Uma tarefa difícil, seja pela escolha de indexadores ou porque os fundamentos da economia mudam e uma taxa que pode ter sido considerada adequada em determinado momento histórico pode ser totalmente irrealista para outro, enfatiza. Atribuir a sobrevalorização à elevada taxa de juros também não seria um argumento convincente, já que a entrada líquida de capitais de curto prazo tem sido negativa desde o ano de 1999.