Título: Camargo Neto critica tática na OMC
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2005, Brasil, p. A2

"Está equivocado esse confronto com a União Européia. A prioridade da OMC deveria ser a redução de subsídios." A frase é de Pedro de Camargo Neto, especialista em comércio exterior e negociações internacionais. Em entrevista ao Valor, ele faz duras críticas à atual estratégia do Itamaraty para as negociações da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio. Na sua avaliação, o Brasil deve focar esforços na queda dos subsídios. Já a batalha para facilitar o acesso aos mercados europeu e americano pode ser travada nos acordos bilaterais, pois o país não terá que dividir as vantagens obtidas com os concorrentes. Camargo Neto diz que a OMC é o único fórum no qual será possível reduzir os subsídios agrícolas. Estados Unidos e UE disseram que não vão discutir o assunto nos acordos com o Mercosul. Ele ressalta que a redução dos subsídios tem o apoio das organizações não-governamentais. Camargo Neto foi secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura e é o mentor do painel do algodão, processo vencido pelo Brasil na OMC que condenou os subsídios americanos ao produto. "O confronto por queda de subsídios é com os EUA", diz Camargo Neto. Segundo ele, a UE também subsidia os produtos agrícolas, mas exporta pouco porque é ineficiente. Além disso, o bloco diz que vai eliminar os subsídios à exportação. Já os Estados Unidos exportam produtos subsidiados e tomam participação do Brasil em mercados como China e Rússia. Para o especialista, a proposta americana de redução de subsídios é pouco ambiciosa. Nas suas contas, a oferta dos EUA reduziria os subsídios concedidos pelo país para US$ 21,94 bilhões, abaixo dos US$ 38,2 bilhões permitidos pela OMC após a Rodada Uruguai, mas apenas US$ 1,26 bilhão a menos que os US$ 23,2 bilhões que os americanos realmente pagam hoje aos agricultores. "Não seria suficiente nem para cumprir o painel do algodão." Camargo Neto diz que o Brasil mudou de estratégia, deixando de lado os subsídios e focando esforços em ampliar o acesso ao mercado europeu. A mudança teria coincidido com a visita de George W. Bush, a Brasília. "O Brasil deve ter sonhado que os EUA vão apoiar a pretensão por um assento no Conselho de Segurança da ONU", critica. Em encontro na cidade de Roma, a União Européia disse que sua proposta na OMC eleva a importação de carne bovina para 600 mil toneladas. "Queremos essas cotas apenas para o Mercosul, ao invés de dividi-las com os australianos na OMC", diz Camargo Neto, acrescentando que a Austrália, rival do Brasil em carne bovina, já possui acesso privilegiado ao mercado dos EUA, por conta de um acordo bilateral de livre comércio. "Lugar de discutir acesso a mercados é nos acordos bilaterais", ressalta. Camargo Neto afirma ainda que a mudança de estratégia do Brasil está comprometendo a união do G-20, grupo de países em desenvolvimento liderados por Brasil e Índia. "Não é uma aliança por acesso a mercados agrícolas, mas contra os subsídios", diz Camargo Neto. A Índia é protecionista em agricultura e teme os efeitos da abertura do mercado para seus milhares de pequenos produtores.