Título: Europa aceita compromisso menos rígido, diz embaixador
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2005, Brasil, p. A3
Em meio ao impasse que ameaça as negociações da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC), o chefe da delegação da Comissão Européia em Brasília, João Pacheco, faz um aceno para o setor privado brasileiro: "Sempre se pode ir mais longe no âmbito bilateral." Experiente negociador, Pacheco se refere ao acordo entre o Mercosul e a União Européia. As discussões estão paralisadas desde o fim de 2003, mas o diplomata afirma, em entrevista ao Valor, que concluir esse acordo é um dos seus objetivos no novo posto, que assumiu em agosto. Ele dá outra sinalização importante. A União Européia está disposta a selar um primeiro acordo com o Mercosul, menos ambicioso, para mais tarde ampliá-lo e aprofundar sua abrangência. "É difícil conseguir fazer tudo de uma só vez. As economias precisam se adaptar." O diplomata ressalta que o acordo tem de seguir as regras da OMC e cobrir 90% do valor do comércio entre os blocos, mas afirma que a UE está disposta a compreender as dificuldades do Mercosul de assumir compromissos muito rígidos. Pacheco diz ainda que a negociação com o México seguiu modelo semelhante. Após assinar um primeiro acordo, europeus e mexicanos estão negociando um aprofundamento dos compromissos. O português João Pacheco é um "expert" no acordo Mercosul-União Européia. Antes de se instalar em Brasília, ocupava o cargo de diretor para relações internacionais no departamento de agricultura da Comissão Européia. Era o principal negociador agrícola da UE com terceiros países. Esteve no Brasil em 2003, em reuniões com o governo e com representantes do setor privado. "Chegar a um acordo é muito importante. Não só pelo que representa em termos de comércio, mas também pelo objetivo estratégico de desenvolver a relação política", diz Pacheco, acrescentando que o Brasil partilha com a UE os valores democráticos e de visão multipolar do mundo. "E para desenvolver a relação política, é importante consolidar a relação comercial", completa. Repetindo a mensagem de comissários e altos funcionários da UE, ele diz que o encontro de cúpula América Latina-Europa, que será realizado em Viena, na Áustria, em maio seria uma "boa oportunidade" para selar os primeiros compromissos do acordo. "Não quer dizer que somos obrigados a fechar a negociação, mas há uma janela de oportunidade que pode ser aproveitada." Para explicar por que se "pode ir mais longe no âmbito bilateral" do que nos acordos multilaterais, Pacheco dá o exemplo dos setores têxtil e de calçados. "UE e Mercosul não têm grandes dificuldades de fechar um acordo nessas áreas. Mas, para ambos, é difícil selar um acordo mundial, devido à competição asiática". O diplomata admite que na área agrícola acontece o mesmo: as concessões da UE poderiam ser melhores bilateralmente. Para o chefe da delegação da Comissão Européia em Brasília, as deficiências do Mercosul atrapalham as negociações com a UE. Ele se queixa, principalmente, da bitributação dos produtos que circulam no bloco. Mas acredita que o acordo com a União Européia ajudaria a consolidar e aprofundar o Mercosul. Nesse cenário, o diplomata comenta que a institucionalização de salvaguardas no bloco, como demanda a Argentina, "não ajuda" o Mercosul nos acordos bilaterais. Pacheco afirma que a falta de clareza sobre qual será o nível de ambição da Rodada Doha também atrapalha as negociações entre Mercosul e UE. Os dois blocos não sabem o quanto serão obrigados a ceder no campo multilateral, o que torna mais difícil concessões entre si. O diplomata alerta que o Brasil não deve esperar uma nova oferta agrícola da UE na Rodada Doha, mas afirma que o bloco está disposto a ajustar sua proposta durante a negociação. "Queremos ver o que países como Brasil ou Índia têm a oferecer nas áreas de bens industriais e serviços." Pacheco classifica a oferta dos Estados Unidos em agricultura de "completamente irrealista" e reforça que "os americanos sabem disso". Ele diz que "estamos entre uma proposta irrealista" (dos EUA) e "a falta de proposta" (do G-20). Para ele, a proposta do Brasil de corte de 50% das tarifas industriais consolidadas na OMC é "um passo na direção certa, mas um passo tímido".