Título: Negócios com chineses estão mais lentos que o previsto
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2004, Brasil, p. A4

Os planos de negócios das empresas brasileiras interessadas no mercado chinês caminham devagar. Alguns deles dependem de negociações delicadas, e que requerem certa paciência, entre os governos dos dois países. Ainda assim, a China continua sendo considerada por empresários brasileiros um país estratégico e que não pode ser ignorado pelo Brasil. O dono da fabricante de produtos eletroeletrônicos Gradiente, Eugênio Staub, é um deles. Ele, como havia planejado, abriu um escritório em Shenzhen em julho deste ano e em abril vai despachar para lá o executivo Roberto Diniz. "A China é uma grande oportunidade. Para o setor de eletroeletrônicos é muito importante já que concentra a maior parte da indústria mundial de componentes. São mais de 10 mil empresas", disse Staub. Ele preferiu não detalhar seus planos em Shenzhen, mas adiantou que a partir de 2005 a Gradiente vai começar a exportar. "Nâo exportamos ainda, mas temos planos de exportar para a América Latina". O dono da Gradiente participou da missão liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em maio para Pequim e Xangai e tem uma avaliação pragmática sobre os contenciosos que Brasil e China vêm colecionando nos últimos meses - o mais embaraçoso foi o rechaço da soja brasileira nos portos chineses em plena visita do presidente Lula a Pequim. "Eles têm que aceitar nossa autoridade sanitária. Mas também querem, em troca, ser reconhecidos como economia de mercado. Isso tem que ser negociado", avalia Staub. O status de economia de mercado significa o reconhecimento de que o governo chinês não pratica uma política intervencionista em seus preços. Esse reconhecimento tornaria mais difícil para o Brasil acusar, eventualmente, a China de praticar dumping (vender mercadorias abaixo do preço de custo). É dessa negociação, avalia Staub, que a parceria entre os dois países poderá deslanchar mais facilmente. O ex-secretário de Comércio Exterior e dono da Silex Trading, Roberto Giannetti da Fonseca, vem se dedicando nos últimos meses a estruturar um grupo de exportadores de álcool e vê a China como um futuro "grande comprador." Ele também considera que as negociações com os chineses caminham lentamente. "Há uma expectativa muito grande e certa frustração porque os acordos entre os dois países demoram para acontecer", disse. A Ethanol Trading, que reúne mais de 200 usinas de açúcar e álcool, ainda não está operando. Mas, se estivesse, de nada adiantaria Giannetti da Fonseca pegar a mala e ir para a China negociar contratos. "Esse tipo de negócio tem que passar pelos governos". A legislação chinesa que permite adicionar álcool na gasolina já existe e os chineses usam álcool feito de milho, em caráter experimental. Os chineses, lembra o ex-secretário, importam 80% do petróleo que consomem e a poluição nas grandes cidades chinesas é um problema sério. Assim, apesar de ainda não ter nenhum contrato fechado, Giannetti da Fonseca calcula que em 2005 poderá começar a exportar álcool aos chineses, em volumes pequenos. A Varig, que havia anunciado em maio planos de abrir vôos regulares para a China, passando pela Alemanha, informou que neste ano não foi possível fechar as parcerias com a Air China e a Lufthansa. A previsão, segundo a assessoria de imprensa, é que nos primeiros meses de 2005, o acordo possa ser feito. A Vale do Rio Doce, que em maio assinou acordos com empresas chinesas para avaliar a possibilidade de construir uma siderúrgica e um terminal portuário no Maranhão e investir em minas de carvão na China, informou ontem que a intenção continua de pé. Mas os estudos de viabilidade ainda não foram concluídos. Construir um navio cargueiro gigante, que serviria para levar minério de ferro para a China e trazer carvão de volta, é outro plano que permanece na agenda da Vale. Um setor onde os negócios estão crescendo é na importação de equipamentos chineses de telefonia. A Hauwie, que está no Brasil desde 1999, está dobrando o faturamento neste ano. As vendas neste ano, até outubro, somaram US$ 100 milhões. Em 2003, foram US$ 50 milhões, segundo a assessoria de imprensa. A empresa não produz localmente pois o produto importado custa bem menos. O custo Brasil - resultado de carga tributária e instabilidade nas regras jurídicas - encarece os produtos brasileiros e é um dos fatores que têm levado gigantes do varejo internacional para outros países. "O Brasil perdeu o bonde para a China", diz o consultor e sócio da Gouvêa de Souza, Alberto Serrentino. A cadeia de supermercados inglesa Tesco e a americana Home Depot, que há dois anos estudavam investir no Brasil, desistiram. Os supermercados Castorama, controlado por ingleses, e o português Jerônimo Martins abandonaram o Brasil. "Agora, as grandes empresas de varejo estão indo para a China".