Título: Derrota na CPI ameaça pauta de votações
Autor: Maria Lúcia Delgado e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2005, Política, p. A6

Crise Embate sobre a prorrogação da Comissão destruiu as pontes entre o governo e a oposição

A frustrada operação do governo para retirar as assinaturas do requerimento que prorrogou a CPI dos Correios até abril de 2006 revela que a recomposição da base aliada na Câmara caminha a passos lentos. Apesar do desgaste da "operação-abafa" patrocinada pelo governo e da persistência de erros de articulação política, o fato inegável é que os governistas conseguiram retirar 66 assinaturas do requerimento. Só não conseguiram abreviar o funcionamento da CPI por uma única assinatura e, nos bastidores, pela atuação do presidente do Senado, Renan Calheiros. Desde a vitória de Aldo Rebelo (PC do B-SP) para a presidência da Câmara, o Planalto tem comemorado o êxito em votações de projetos de seu interesse. PP, PL e PTB voltaram a seguir, majoritariamente, a orientação do líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Pelo balanço das votações das medidas provisórias 255, 258 e 259 (a MP do Bem, a da SuperReceita e a da reforma administrativa de Lula, respectivamente), o percentual de aprovação variou de 61% a 88,97%. A amostragem, no entanto, não significa que o governo tenha reconquistado a lealdade da base. "O ambiente melhorou muito, está mais fácil conversar, mas a votação de projetos tem que ser discutida caso a caso", reconheceu o presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP). "É preciso dar um desconto em cada caso. A MP do Bem era 'do bem', e interessava a amplos segmentos da sociedade", ponderou o deputado Luiz Antônio Fleury Filho (PTB-SP). No caso da votação MP da Super Receita, por exemplo, o governo contou com a ajuda da oposição, especialmente do PSDB. Na terça-feira, o prefeito de São Paulo, José Serra, e o governador Geraldo Alckmin estavam em Brasília e manobraram, nos bastidores, para que o PSDB liberasse os votos da bancada durante a votação. O argumento dos tucanos era que a Super Receita interessa ao próximo presidente da República, seja ele de que partido for. A postura da oposição reflete, ainda, uma estratégia eleitoral traçada em conjunto por PSDB e PFL. Os dois partidos definiram que, em projetos de interesse comum, os tucanos terão uma postura mais moderada enquanto os pefelistas partirão para o confronto explícito com o governo, como têm feito até o momento. A idéia é preservar o candidato à presidência da dupla, que deve reeditar a aliança que elegeu e reelegeu Fernando Henrique Cardoso presidente da República. O candidato será um tucano - ou Serra, ou Alckmin - e o candidato a vice será do PFL. Na avaliação do Palácio do Planalto, não há mais pontes para o diálogo com a oposição no Congresso. Alguns parlamentares do PT até sugeriram que a melhor alternativa seria buscar um diálogo com PFL e PSDB para que a CPI dos Correios fosse prorrogada somente até janeiro ou fevereiro. O presidente da CPI, Delcídio Amaral (MS), defendia essa tese. "No meu ponto de vista, poderíamos encontrar uma solução intermediária, buscando uma negociação com a oposição", disse o petista. O senador observa que a prorrogação por alguns dias seria uma necessidade técnica. "As sub-relatorias sobre fundos de pensão e IRB são mais recentes, e ainda faltam muitos dados. Não haveria risco de palanque. É um trabalho absolutamente técnico, com a participação da Ernest Young, da CVM e da BMF. Não vejo razões para preocupação". Na mesma linha, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), manifestou a pefelistas a irritação com a prorrogação, mas concordou em tentar uma alternativa negociada. A conversa ocorreu com o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN), e o presidente nacional da legenda, Jorge Bornhausen (SC). "Propusemos ao líder do governo que não boicotassem a CPI e nós, desta forma, tentaríamos negociar dentro da comissão a data da prorrogação. Parece que a Câmara é que não admitiu essa tese", alfinetou Agripino Maia. A "operação-abafa" foi coordenada pelo líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia, e pelo ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner. A ordem, no entanto, partiu do quarto andar do Palácio do Planalto. "A principal articuladora foi a ministra Dilma Roussef (Casa Civil), que mostrou ser a articulação política muita areia para o caminhãozinho dela", disse um líder da base situado no epicentro da crise. Parlamentares do PT demonstraram preocupação com o desgaste da legenda pelo fato de ficar evidente o desinteresse do governo com o aprofundamento das investigações. O fato de o governo ter tentado e não ter conseguido sepultar a CPI em dezembro também expôs os 66 parlamentares que concordaram em retirar as assinaturas, especialmente oito deles, integrantes do Conselho de Ética da Câmara, entre os quais, o próprio presidente, Ricardo Izar (PTB-SP). Esses oito parlamentares são titulares e constituem a maioria do Conselho de Ética, composto por 15 membros. O governo chegou perto, mas a atuação de Renan Calheiros foi decisiva para favorecer a oposição. Calheiros orientou a Mesa Diretora do Congresso a acolher o último ato, até a meia noite anterior à publicação do requerimento de prorrogação. Apesar de Chinaglia ter protocolado na Mesa a retirada de assinaturas entre 22h30 e 23h37, o líder do PSDB, Alberto Goldman (SP), foi mais esperto e deixou para o último minuto a apresentação. Ás 23h59, o tucano protocolou a lista com nomes de deputados que Chinaglia tentara retirar antes. Prevaleceu a lista tucana. Em outras ocasiões para criação ou prorrogação de CPIs, muitas vezes prevaleceu a vontade do parlamentar, e não a burocracia regimental. Chinaglia não se conformou e estuda uma maneira de questionar o procedimento adotado. Renan Calheiros teria agido com extremo rigor regimental por razões políticas. O presidente do Senado tem pressionado o governo a liberar um dinheiro bloqueado para o estado de Alagoas e agilizar nomeações na Anatel. Além disso, o PMDB permanece na luta por mais espaço no governo. Os deputados pemedebistas queixam-se de que somente senadores ocupam o cargo de ministros. Resta ao governo, agora, persistir na repactuação de sua base aliada. Animado, o governo tenta votar na Câmara, nesta semana, duas MPs e o projeto de resolução que define a bancada eleita como o parâmetro para distribuição de cargos na Casa. Na prática, estará coibindo o troca-troca entre legendas e estabelecendo princípios básicos de fidelidade partidária. Aldo Rebelo deve tentar, ainda, votar a proposta de emenda constitucional (PEC) que acaba com a verticalização das eleições em 2006.