Título: Está dando certo, então mude
Autor: Gustavo Loyola
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2005, Opinião, p. A8

Um dos grandes mistérios do governo Lula é o gosto de seus integrantes pelo debate público de suas desavenças internas. Roupa suja se lava no meio da rua, eis o mote de algumas das autoridades do atual governo. Essa tendência ficou novamente clara com as recentes declarações da ministra Dilma Rousseff sobre política econômica. Primeiramente, a ministra Dilma disse que não via problema em se ter 15% de inflação ao ano no país desde que o governo pudesse investir mais. Depois, numa entrevista, rechaçou solenemente a idéia de um plano de ajuste fiscal de longo prazo. Indo mais além, sua excelência disse textualmente: "Para crescer é necessário reduzir a dívida pública. Para a dívida pública não crescer, é preciso ter uma política de juros consistente, porque senão você enxuga gelo. Faço um superávit fiscal de um lado e aumento o fluxo e o estoque da dívida". Considerando que a atual meta de inflação de 4,5% não foi fixada por marcianos nem por tucanos e que a idéia do plano de ajuste fiscal de longo prazo foi divulgada pelo ministro petista Paulo Bernardo, fica claro que integrantes do governo Lula sofrem do mal da "oposicionite aguda". Se parasse por aí, seria apenas curioso. O mais grave é a irracionalidade de se querer mudar o que está dando certo. A simples admissão de que os brasileiros pudessem estar melhor com uma inflação de 15% ao ano é absurda por todos os critérios de julgamento, inclusive e principalmente se levada em conta a preferência reiteradamente revelada da sociedade brasileira pela estabilidade monetária. Se a queda da inflação não trouxe automaticamente o crescimento, isso não significa que se deva voltar ao regime anterior de elevada e crônica inflação. Os defeitos do governo Lula não estão na sua política macroeconômica. O problema é que há uma solidão absoluta dessa política face à quase absoluta ausência das demais. As dificuldades para aumentar o investimento público não decorrem da responsabilidade fiscal e monetária, no que parece crer a ministra-chefe da Casa Civil. Estão relacionadas fundamentalmente à ausência das reformas necessárias e ao pouco caso com relação à qualidade do gasto público. A sedução que a inflação ainda provoca em alguns está no fato dela ser um imposto indireto que pode ser aumentado sem que seja necessária a chancela do Poder Legislativo. Será que algum integrante do governo, na atual quadra política da "MP do Bem", teria a coragem de pugnar explicitamente pelo aumento da carga tributária para que "o governo pudesse investir mais"? Embora a resposta óbvia a essa pergunta seja um não, sugestões para o BC admita uma inflação de "terceiro mundo" no Brasil são freqüentes, tanto nas hostes do governo quanto da oposição. Como considerava Keynes, a inflação nada mais é do que taxação sem representação. Taxação iníqua e regressiva que certamente não fica bem num governo "popular". É um atalho fácil que a sociedade brasileira já aprendeu a rejeitar. Tanto assim que ninguém acredita que o governo possa impunemente optar pelo caminho da inflação, como "solução" de seus problemas fiscais.

Os defeitos do governo Lula não estão na sua política macroeconômica, mas na solidão absoluta dessa política face à ausência das demais

Uma outra velha idéia que ainda fascina alguns dos companheiros do presidente Lula é a de que o melhor caminho para a solução dos problemas fiscais está na redução das taxas de juros. Sendo isso verdade, a receita do bolo é simples: baixemos os juros e vivamos felizes para sempre! A inversão de causalidade é evidente. Os juros reais somente cairão se o país for capaz de gerar superávits fiscais consistentes e continuados. Pensar o contrário é achar que o rabo puxa o cachorro apenas porque os dois costumam andar juntos. Enxugar gelo é aumentar seguidamente o gasto público como proporção do PIB e ao mesmo tempo querer baixar os juros. A proposta de um ajuste fiscal de longo prazo, classificada pela ministra Dilma Roussef como "rudimentar", tem o grande mérito de buscar trazer para o presente os benefícios de políticas fiscais austeras futuras. Fixando limites e reduzindo a discricionariedade dos futuros governantes para aumentar as despesas do governo, as metas de longo prazo podem ser de fundamental importância na obtenção de uma queda mais rápida das taxas reais de juros. A consistência da política de juros já está razoavelmente assegurada pelo regime de metas de inflação; o que falta é uma política fiscal consistente no tempo, bem como a autonomia formal do Banco Central. Seria, portanto, muito mais eficaz para derrubar os juros reais que o governo Lula se unisse para a consecução desses dois objetivos, ao invés de insistir no disparo de petardos diretos ou oblíquos contra a equipe econômica. Por outro lado, no que diz respeito às dificuldades para a elevação dos gastos com investimentos, conforme já salientado, o caminho está na implementação de uma agenda de reformas que tenha como alvo a melhora da qualidade do gasto público e a manutenção de um ambiente regulatório adequado a uma economia de mercado. O Ministério da Fazenda, responsável pela tão criticada política macroeconômica, já tem um diagnóstico razoavelmente completo das reformas que são necessárias para o aumento da taxa de investimento e da produtividade na economia brasileira. Algumas medidas foram implementadas, outras se encontram em exame no Congresso e outras dormitam nas muitas gavetas existentes na Esplanada dos Ministérios. Às vésperas de um ano eleitoral e tendo em conta o clima dominado pelas CPIs no Congresso Nacional, são compreensíveis as dificuldades para o governo ver aprovadas no Legislativo suas propostas de reformas mais complexas. No entanto, diante dessas dificuldades, o pior caminho é os frustrados com o baixo crescimento da economia atirarem pedras naquilo que tem sido um dos poucos pontos alto do governo Lula: a responsabilidade macroeconômica. "Brincadeiras" como essa não estão fazendo muito diferença nesse momento de ampla liquidez nos mercados internacionais, mas podem nos custar muito caro em tempos mais bicudos.