Título: A breve marcha do populismo
Autor: Jirí Pehe
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2005, Opinião, p. A9

Discurso nacionalista ganha força em países da Europa Central depois de 15 anos de traumáticas reformas

Um espectro ronda os novos membros da União Européia (UE) na Europa Central: a ameaça do nacionalismo populista. O Partido Lei e Justiça (PiS, na sigla em polonês) venceu recentemente as eleições parlamentares e presidencial no país, ao passo que forças políticas populistas e nacionalistas deverão vencer eleições na Hungria, República Checa e Eslováquia no ano que vem. São acontecimentos importantes. Durante 15 anos, a Europa Central foi uma aluna modelo no processo de democratização. Agora, segundo o ex-presidente checo Václav Havel, a região poderá ser aprisionada numa "atmosfera sufocante". Até mesmo o próprio Václav Klaus, sucessor de Havel, protesta contra o multiculturalismo e o declínio da tradicional nação-Estado européia. O que aconteceu? Paradoxalmente, a UE - vista como uma garantia de estabilidade e progresso - é, ela mesma, parte do problema. Atraídos pela promessa de admissão à UE, os países que no ano passado passaram a fazer parte da União submeteram-se a 15 anos de mudanças sociais, econômicas, legais e políticas, cujo campo de abrangência não tem precedentes na história européia moderna. Instituições públicas foram modernizadas rapidamente, foi adotada a democracia e implementada uma economia de mercado. Mas os cidadãos comuns foram submetidos a enormes pressões para se ajustarem rapidamente e, às vezes, dolorosamente. Enquanto a participação como membro da UE era apenas um objetivo, ele teve um efeito disciplinador sobre as elites políticas da região. Com efeito, a promessa de participação na UE agora parece ter sido um meio mais eficaz de promover reformas do que a própria condição de membro da União - aspirações, diversamente de participação, proporcionaram à UE uma influência política muito maior. Com certeza, Polônia, República Checa, Hungria e Eslováquia viram, acertadamente, suas entradas na UE como um ato de emancipação política, e começaram a afirmar-se como politicamente iguais. Ao mesmo tempo, os partidos políticos que conduziram seus países à UE passaram, todos, a viver sob pressão, porque tinham suas imagens associadas a reformas dolorosas. Isso abriu caminho para políticos com uma discurso simples: nossos países já tiveram o suficiente de tutela e aperto de cintos impostos pelo Ocidente; chegou o momento de retornarmos a nossos valores e interesses nacionais. Alguns advertiram, mesmo antes da admissão à UE, que seus países poderiam perder suas identidades. Nas palavras do presidente Klaus, a República Checa poderia "dissolver-se na UE como um cubo de açúcar numa xícara de café". Tomas G. Masaryk, o primeiro presidente da Checoslováquia após sua criação em 1918, costumava dizer que seu país era uma democracia, mas "até agora, sem democratas". Havel raciocina em linha similar quando adverte sobre o surgimento de perigos de nacionalismo e populismo na região.

Tentativas de florescer em terreno de populismo logo serão confrontadas com os limites fixados pela UE e por outras organizações internacionais

Em sua opinião, os "velhos" padrões básicos de comportamento político (alguns herdados da era pré-comunista) foram temporariamente postos em segundo plano pela onda de liberalismo cívico pró-ocidental que veio depois do colapso do comunismo na região. Agora, os velhos padrões de comportamento político estão voltando ao primeiro plano. Mas há também evidências de que Havel está certo ao argumentar que o ressurgimento desses padrões constitui uma simples "ressaca" de 15 anos de reformas incessantes e, com freqüência, traumáticas. Diversamente do que ocorreu antes da Segunda Guerra Mundial, quando os esforços de democratização foram prejudicados pela ascensão do autoritarismo na Alemanha, os países da região estão hoje plenamente integrados numa rede de democracias ocidentais extremamente estáveis. Tentativas, ensaiadas por partidos políticos, de florescer em terreno de nacionalismo, xenofobia e populismo logo serão confrontadas com os limites fixados pela UE e por outras organizações internacionais. Por exemplo, as promessas do PiS de voltar a adotar a pena de morte e reconectar a Polônia a suas raízes conservadoras cristãs constituiriam uma transgressão de normas da UE e do Conselho da Europa. Pode-se prever com elevado grau de confiança que a "Quarta República" polonesa - que o PiS gostaria de construir - terá de chegar a um acordo com o espaço limitado existente na Europa para visões messiânicas e "fundamentalismo cristão". O mesmo é verdadeiro sobre o nacionalismo de Klaus. Ele pode ser atraente para uma vertente popular de provincianismo checo, porém, mesmo se o conservador Partido Democrático Cívico, fundado por Klaus, vencer as eleições para o Parlamento no ano que vem, a condição de membro da UE moderará suas ambições nacionalistas. É bastante provável que os populistas de esquerda na Eslováquia, representados pelo partido Smer (Direção), de Robert Fico, que está liderando as pesquisas de opinião que antecedem as eleições do ano vem, cheguem a conclusão similar. O Partido Fidesz, de Viktor Orban, que poderá vencer as eleições na Hungria no segundo trimestre de 2006, constitui um exemplo particularmente instrutivo. Em meados da década de 90, antes de chegar ao poder, o partido explorava abertamente sentimentos nacionalistas e populistas com o objetivo de conquistar votos. Entretanto, no momento em que seu governo foi substituído em 2002 pela atual administração dos socialistas, as posições do Fidesz eram razoavelmente pró-européias. Em outras palavras, embora forças populistas-nacionalistas possam conquistar mais avanços no ano que vem - até mesmo aliando-se, como o PiS, a partidos de extrema direita para reunir apoio a suas políticas - é improvável que a Europa Central retorne ao nacionalismo virulento que, no passado, lhe rendeu má fama. Havel tem razão ao dizer que a região falará em tom mais moderado depois de sua ressaca política. Mas, como nos caso das ressacas de bebedeiras, não será um espetáculo agradável de assistir.