Título: Saldo possível da crise: mais ortodoxia
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2005, Brasil, p. A2
O presidente Lula e o PT deram passo largo para, senão inviabilizar, no mínimo tornar seu governo mais amargo. Num dos piores momentos da crise, Lula negou apoio público ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci. O PT fez o de sempre: atacou a política econômica, com a qual nunca se reconciliou, e da qual não reconhece o mérito de ter produzido os indicadores que, comparativamente, colocam esta gestão à frente da anterior. A dificuldade do PT em conviver com a racionalidade econômica é tão grande que Palocci se tornou, desde o início, o único esteio do governo. A situação é absurda, afinal ninguém é insubstituível. Sociedade e mercado aprenderam, no entanto, a conviver com a idéia do governo que depende de um homem só. Só isso justifica o fato de que, mesmo abalado por denúncias, Palocci tenha continuado firme no cargo. Criou-se em relação a ele uma tolerância inédita. Mesmo não gostando da idéia - nenhum presidente aprecia a existência de superministros -, Lula a avalizou. Sempre que se colocou em dúvida a força de Palocci e da política econômica, o presidente veio a público defendê-los. Dessa vez, Lula piscou. Cobrada internamente a dar explicações sobre os ataques desferidos contra a área econômica, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse ter criticado "apenas" o programa fiscal de longo prazo em gestação no Ministério do Planejamento. Não é verdade. Dilma atirou na proposta e em dois dos três fundamentos da política econômica: os juros e a condução da área fiscal. É evidente que a política econômica é passível de críticas. Na segunda-feira, o ex-presidente do Banco Central Afonso Celso Pastore, em artigo publicado no Valor, afirmou que existem todas as condições para o Comitê de Política Monetária acelerar a queda dos juros. O que é incompreensível é que, no momento em que o governo se encontra mais fragilizado, a chefe da Casa Civil critique publicamente a gestão econômica, usando adjetivos como "rudimentar, fantasioso, desqualificado". É da prática petista promover imolações em público. A novidade, nesse episódio, foi o silêncio do presidente. Silêncio de quem mudou de idéia e hoje concorda com as críticas feitas por Dilma, ou de quem já não acredita na possibilidade de seu ministro da Fazenda sobreviver à onda de denúncias. No caso da segunda hipótese, Lula tem motivos suficientes para procurar um substituto que provoque o menor dano possível. Como mal se manifestou nos últimos dias, ele sinalizou que pode querer mudar também a política econômica. O presidente demorou quatro dias para reagir à agonia de Palocci. No sábado, autorizou a edição de uma nota envergonhada de apoio ao ministro e à política econômica. Isso mostra que ele pode ter começado a ceder aos argumentos daqueles que consideram uma insanidade desistir, nesse momento, do caminho escolhido. O gesto foi insuficiente.
Lula pode redigir nova carta aos brasileiros
Palocci acreditava na semana passada que tinha condições de ir ao Senado e sobreviver à inquirição da oposição e da imprensa. Para tanto, contava com o apoio firme do presidente. Não contra as denúncias, mas a aprovação de Lula à política econômica, no momento em que ela está sob fogo cerrado. Falar aos parlamentares como ministro fraco, desacreditado, não ajuda. Uma gestão responsável da economia tem o apoio de todos e foi isso o que qualificou Palocci diante da oposição, que, mesmo depois das primeiras denúncias, tratou o ministro com cordialidade. No PT, não existem alternativas a Palocci, sem que a substituição gere imediatamente temores de mudança do rumo adotado até aqui - a exceção é Paulo Bernardo, ministro do Planejamento. Lula pode encontrar fora de seu partido um nome que dê relativa tranqüilidade aos mercados, mas as dúvidas quanto a sua força e ascendência sobre o presidente vão dominar o ambiente. Se o nome vier do PT, ele terá que partir em busca desesperada por credibilidade. Os petistas duvidam, mas o resultado será um só: mais ortodoxia. Dados os sinais dúbios que emitiu nos últimos dias, Lula pode ser obrigado a redigir uma segunda "carta aos brasileiros". Se o cálculo político do presidente é o de que, diante da crise que não recua e da conta da reeleição, chegou o momento de flexibilizar a política econômica, ele calculou errado. A situação dada, mesmo estando aquém das expectativas mais otimistas, é positiva do ponto de vista político. A oposição sabe disso. "Inflação indo para 4,5%, crescimento do PIB acima de 3%, estabilidade no mercado de câmbio e um programa de renda mínima, beneficiando 13 milhões de eleitores, tudo isso coloca o Lula no segundo turno", atesta o economista Paulo Leme, diretor de mercados emergentes do banco Goldman Sachs, em Nova York. Leme conta que o mercado lá fora reagiu pouco até agora aos rumores da queda de Palocci porque ainda não acredita nessa possibilidade. "O mercado, principalmente aqui fora, e isso é muito interessante, está custando a reagir", diz o economista. Em conferências feitas na sexta-feira e anteontem, Leme ouviu investidores dizerem que, se Palocci cair, Lula colocará em seu lugar um nome mais conservador e ortodoxo. Isso mostra que o mercado acredita no presidente, mas vai lhe cobrar uma fatura. "Custa a um governo adquirir credibilidade, mas também custa a perdê-la. Quando perde, evapora rapidamente. O investidor estrangeiro não está tão atento às minúcias e às manobras do Planalto, que são muito mais complexas e sutis do que eles podem captar e identificar", adverte Leme. "Eles pensam de forma lógica: 'qual é o melhor ativo eleitoral do presidente? Estabilidade, inflação baixa. Desde maio, convivemos com a crise política. Se tivéssemos vendido tudo, teríamos nos dado mal'. Imagina-se que essa é outra minicrise palaciana" , acrescenta o economista. "O que tenho alertado é que não é bem assim. Em política, é difícil prever o lance final, mas é muito fácil identificar movimentos de que algo está em andamento e que não é positivo, portanto, a cautela está na ordem do dia."