Título: PIB do Brasil ajuda mais que câmbio argentino
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2005, Brasil, p. A4

Comércio Exterior Vendas externas do país vizinho crescem, mas ainda esbarram em problemas de competitividade

A vantagem competitiva proporcionada pelo câmbio aos produtos argentinos tem tido um efeito apenas marginal no aumento das vendas externas do país vizinho ao Brasil. Nos dez primeiros meses deste ano as exportações argentinas ao Brasil cresceram 13,7%, mas a expansão foi menor do que o aumento geral de suas vendas externas, de 15,5%. "O aumento mais importante ocorreu nas manufaturas de origem industrial, de cerca de 20%", estimou Mauricio Claveri, economista da consultoria Abeceb.com. Os dois países mantém políticas cambiais distintas. Desde o início do ano, o dólar caiu 16,7% em relação ao real. Em relação ao peso, a queda foi de 0,2% no mesmo período. Mas tanto Claveri quanto o ex-secretário de Comércio Exterior, Raul Ochoa, acreditam que o crescimento da economia brasileira tem sido muito mais determinante do que o câmbio para alavancar as vendas argentinas. Ochoa também acrescenta que a economia argentina tem um problema de competitividade "sistêmico" que é muito mais profundo para que possa ser compensado pela conjuntura cambial. "Temos sérios problemas de competitividade devido à falta de investimentos", afirma. Claveri detalha os problemas principais enfrentados pelos argentinos para colocar mais produtos no mercado brasileiro: o atraso tecnológico e a conseqüente menor produtividade da indústria argentina em relação ao Brasil, a falta de excedentes exportáveis, já que a forte demanda doméstica faz com que a maioria da produção local seja consumida no próprio país e a dificuldade em recuperar espaços de mercado perdidos durante a crise. Segundo Claveri, o aumento das exportações de produtos industriais argentinos está concentrado em poucos produtos e ocorreu basicamente pelo crescimento dos embarques de automóveis - onde o comércio é administrado - e produtos petroquímicos. Em contraste, no mesmo período as vendas brasileiras ao país vizinho aumentaram 34,5%. Entre janeiro e outubro deste ano o superávit brasileiro cresceu 96%, para US$ 2,995 bilhões. A maior parte dos produtos brasileiros vendidos à Argentina é de origem industrial, com uma pauta diversificada em que se destacam bens de capital, cuja demanda aumenta continuamente graças à forte taxa de crescimento da economia. O país deve encerrar este ano com uma expansão da ordem de 9%. Na opinião de Ochoa, este desequilíbrio na balança comercial mostra que além do câmbio, outros fatores de redução de custos em que há vantagem para os argentinos - como energia mais barata e juros menores - não estão sendo suficientes para alavancar a produtividade local. "A competitividade não se deve apenas a fatores de custo. Há questões de tecnologia, escala e especialização", afirma. Ele diz que desde 1999, quando o Brasil desvalorizou sua moeda, a capacidade produtiva do setor industrial brasileiro passou de 4,6 vezes à da Argentina para cerca de 6 vezes atualmente. Enquanto a Argentina vivia uma enorme crise, "houve claramente um salto da capacidade produtiva do Brasil", o que permitiu a substituição por produção local de veículos, máquinas e equipamentos que antes eram adquiridos de fornecedores do país vizinho. Da mesma forma, Ochoa não vê ainda condições para que empresas decidam transferir suas atividades para a Argentina por causa do câmbio. O fenômeno ocorreu em sentido inverso a partir de 1999 em diversos setores, como na indústria automobilística e de autopeças e eletrodomésticos. Isso porque as condições da economia argentina ainda provocam muitas incertezas e não se sabe se a relação entre as duas moedas se manterá no nível atual por muito mais tempo. Fora do âmbito bilateral, Ochoa acredita que o único setor em que a produção argentina pode ocupar espaço das vendas brasileiras é o da carne, devido aos casos de febre aftosa registrados no Mato Grosso e no Paraná. Por causa dessa disparidade de competitividade que favoreceria o Brasil, o ex-secretário de Comércio Exterior acredita que será necessário que o Brasil aceite algum mecanismo de salvaguarda para proteger a indústria argentina enquanto ela se recupera. O governo argentino espera que haja uma definição sobre o tema até o fim deste mês e Ochoa argumenta que vale a pena para o Brasil fazer algumas concessões para fortalecer a relação com a Argentina. "Temos muitos problemas pela frente para que fiquemos absorvidos por isso", diz, lembrando que os setores do comércio bilateral em que há conflitos sérios não chegam a representar 10% do intercâmbio entre os dois países. "Acredito na flexibilidade dos dois lados", prevê.