Título: Planalto quer estatais na mesma sintonia
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2004, Brasil, p. A6
O Palácio do Planalto sinalizou ontem que está insatisfeito com o nível de comprometimento das empresas estatais em relação às políticas e prioridades do atual governo. A insatisfação ficou evidente durante seminário realizado pelo Ministério do Planejamento, em que o representante enviado pela Casa Civil da Presidência da República cobrou das empresas que atuem de forma mais coordenada com o governo. "Falta coordenação" , disse o subchefe adjunto de ação governamental da Casa Civil, Adelmar Miranda Torres. O objetivo do seminário, destinado basicamente a executivos de estatais, era justamente discutir a relação entre o governo federal e suas empresas. Ao participar da mesa do evento, Torres criticou a "tendência das estatais de buscar cada vez maior autonomia". Na sua opinião, é legítimo que elas defendam seus interesses como empresas, para se manter financeiramente saudáveis. Mas, por se tratarem de empresas públicas, ele não vê necessidade de que elas busquem aumentar lucros. Para ser viáveis, defendeu, basta que elas não dêem prejuízo. Para que haja "uma maior sintonia fina" entre as políticas do governo e de suas empresas, Torres defendeu a criação de um comitê executivo de estatais no âmbito da Câmara de Desenvolvimento Econômico, presidida pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Caberia a este comitê, explicou, formular diretrizes mais gerais a serem seguidas pelas empresas. Segundo ele, para ser implementada, no entanto, a proposta depende da concordância do Ministério do Planejamento, que ainda não se posicionou a respeito. Na prática, a proposta apresentada por Torres tiraria poder do Planejamento, atualmente responsável pela coordenação e controle das estatais. Por intermédio da Casa Civil, a Presidência da República passaria a ter um poder mais direto sobre as empresas. Para Adelmar Torres, não basta as estatais fazerem sua parte no que diz respeito a investimentos. Durante suas intervenções no seminário, ele cobrou dos executivos presentes mais sintonia em diversas frentes, a começar pela social. Sem citar exemplos, ele reclamou que, no campo das ações sociais, as empresas estão mais preocupadas em "fazer sua própria imagem" do que em atuar como governo. Sem rodeios, ele cobrou que as empresas federais dêem mais apoio a programas governamentais como o Fome Zero, o Primeiro Emprego e o da Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) . Houve cobrança também em relação a como as empresas fazem suas compras. A demanda do setor público brasileiro por bens e serviços, explicou, é alvo de grande cobiça por parte da União Européia e dos Estados Unidos, que querem entrar nesse mercado como fornecedores. Assim, para fortalecer a posição do governo brasileiro nas negociações com esses blocos, as empresas precisam agir como "maior sinergia" , defendeu. Procurado pelo Valor durante o intervalo do evento, Torres foi ainda mais direto e disse que as empresas "não podem olhar só para o próprio umbigo", devendo prestar mais atenção nas prioridades do governo. No único caso específico que ele se permitiu citar, o representante da Casa Civil disse que a atuação do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, por exemplo, "ainda deixa muito a desejar" no campo do microcrédito. Perguntado sobre estatais do setor produtivo, ele não citou nomes, mas reclamou que elas deveriam prestar mais atenção às prioridades do governo no campo da ciência e tecnologia, uma delas o desenvolvimento de pesquisas na área de nanotecnologia. Por outro lado, não faltou, por parte da platéia de executivos, quem alertasse para os riscos de um maior controle governamental sobre estatais com participação privada e forte inserção no mercado de capitais. Artur Obino, assessor da diretoria da Eletrobrás, disse que se o governo quiser que essas empresas tenham a acesso a recursos externos ou internos para financiar investimentos será necessário observar as regras de mercado.