Título: Um crescimento seguro
Autor: Joaquim Vieira Ferreira Levy
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2005, Opinião, p. A12
Consolidação deve ultrapassar interesses ideológicos ou partidários
Essa semana, muitos brasileiros vieram a Nova Iorque ao encontro de uma audiência receptiva e otimista. Isso se dá depois da enorme receptividade dos investidores asiáticos à missão do Tesouro Nacional ocorrida semana passada. O Brasil tem muito que apresentar, na área do setor produtivo, das exportações, na melhora fiscal notável dos últimos anos e nas perspectivas benignas da inflação. Na segunda-feira, o Brazilian Day reuniu mais de 300 pessoas para apresentar o aumento da competitividade do país, as oportunidades de investimento que vem se multiplicando e como o país, com sua base de produção diversificada, continuará a manter o impulso exportador. Na quarta feira, outro grupo de mais ou menos o mesmo tamanho vai participar do Brazilian Excellence in Securities Trade (Best). Esse evento, que já se realizou em Londres e se realiza pela segunda vez em Nova Iorque, irá mostra a qualidade do nosso mercado de capitais, em termos de legislação, supervisão, infra-estrutura de negócios, e produtos. Tudo isso é possível porque a economia está crescendo há dois anos, a dívida pública vem caindo pelo terceiro ano consecutivo e a inflação está domada. Esse é um quadro muito diferente do que se viu desde 2001, ano que começou com grandes esperanças mas foi logo frustrado pela rápida deterioração do quadro político no Congresso e pela crise energética que se seguiu. Foram quatro anos de trabalho para botar o país na rota do crescimento seguro. Os investidores nacionais e estrangeiros continuam apostando no Brasil, porque entendem que a sociedade não tolera a volta da inflação e apóia a melhora das condições fiscais. O apoio que o Tesouro Nacional tem recebido do governo para a execução de suas tarefas na área do gasto, da administração da dívida pública e no relacionamento com os Estados e municípios tem certamente sido um fator chave para o fortalecimento da confiança por parte desses agentes e do setor produtivo. Os agentes econômicos têm observado como o governo, ao longo de 2005, respondeu à pressão política com o fortalecimento do quadro fiscal e não com tentativas vãs de resolver os problemas políticos através de um relaxamento desordenado da execução fiscal. Os mais argutos não chegam, é bem verdade, a dar peso desmesurado ao superávit primário obtido até agora, por entenderem que ele resulta em grande parte do efeito da lucratividade das empresas na esteira da recuperação econômica. Especificamente, reconhecem que o primário adicional vem da aceleração do desempenho das empresas estatais pelo aumento de produção da Petrobras e do lucro de outras empresas, e que os Estados e municípios têm se beneficiado de um aumento não previsto de receita associado ao Imposto de Renda. Por outro lado, os agentes econômicos não deixaram de registrar sinais positivos, e.g., nas recentes decisões do STF, que dirimiram dúvidas quanto a alguns possíveis passivos tributários e criaram espaço para avaliação do mérito de algumas demandas extraordinárias na área da Previdência Social. Também estão atentos à combinação da redução dos impostos (MP 255) e da melhora da capacidade de operação dos órgãos de receita (MP 258), que tenderá a diminuir o ônus sobre as empresas cumpridoras de seus deveres.
A disciplina no gasto público, a política de rendas e os juros têm que se coordenar para manter a estabilidade de preços
De forma mais sutil, também se começa a sentir o efeito, ainda incipiente, de se focar na governança e administração da Previdência Social. A deriva diminuiu, e o déficit esse ano deve ser menor que o esperado inicialmente. Os funcionários do INSS começam a notar que a Previdência agora está voltada, realmente, para servir. O censo virtual dos grupos com informação mais precária avança sem maiores percalços. São ações que, mantidas, poderão sanear essa importante instituição de cunho social. O trabalho de melhora de cadastro e contrapartida por parte dos beneficiários no caso do Bolsa Família é sentido nas milhares de comunidades do país e reconhecido por revistas como o Economist. A melhora das perspectivas fiscais e a redução da percepção de risco macroeconômico têm ajudado o investimento privado a recobrar forças. Por seu lado, os desafios do investimento públicos são imensos e vão muito além da eventual falta de verba. Há todo um trabalho de melhora do planejamento e implementação do gasto e um esforço de decisões estratégicas e de implementação, por exemplo na concessão das estradas, que precisa se fortalecer. O Projeto Piloto de Investimento promovido inicialmente pelo Tesouro Nacional procurou estabelecer algumas pistas nessa área. Mas o país é complexo, e poucos podem acompanhar detalhes sobre como vai a questão da renovação das concessões na área portuária, ou como se dará a implementação do marco da telefonia acordado em 2003, ou a ampliação da concorrência na geração elétrica. Se, por exemplo, a opção do núcleo de governo até agora de não delegar a gestão do setor energético é reconhecida como a ação mais compatível com o caráter técnico desse setor e sua importância para o país, o risco de recorrência de modelos passados ainda não está totalmente dissipado, especialmente diante de certas incertezas regulatórias. Por outro lado, verifica-se notável dinamismo na área ferroviária e a retomada da construção civil, testemunhas das possibilidades de expansão da infra-estrutura nos próximos três anos. Essa é uma situação de grandes conseqüências, possivelmente até do ponto de vista político, se puder ser mantida. O impacto na distribuição de renda, no IDH e mesmo nos indicadores de segurança pública da manutenção por cinco ou dez anos de uma tendência de crescimento como a observada nos últimos 24 meses será extraordinário. Além disso, a evolução que pode se consolidar no campo da concorrência e a abertura do país abrem perspectivas para a participação de novos agentes econômicos, que podem redefinir a dinâmica empresarial e patrimonial no país. Essa abertura foi recentemente acompanhada por uma maior clareza no regime da contratação do câmbio, que traz uma segurança e uma transparência desconhecida nos anos 1990 e pode ter um efeito muito positivo sobre a alocação de capital no setor produtivo formal. Tudo isso vem se dando, ainda, em um quadro de crescente transparência e rigor na operação do setor público, não obstante inevitáveis percalços que, para alguns observadores estrangeiros, pareceriam ter curiosos paralelos com, por exemplo, a crônica do governo de Andrew Jackson. Segundo muitos analistas, é possível que, no curto prazo, a ação mais ampla da Polícia Federal, das Procuradorias, da Justiça e do Congresso, que se tem verificado no período mais recente, prejudiquem a classificação do Brasil nos índices globais de percepção da existência de corrupção. Mas, estima-se que o efeito de disciplina, responsabilização e transparência gerado por essas ações será, em poucos anos, muito positivo. O trabalho do governo na redução da chamada informalidade (e.g., contratação ilegal de mão de obra, sonegação fiscal e não conformidade com as regras de relacionamento do sistema financeiro nacional e internacional), tanto por mecanismos legais quanto pelo esforço de limitar o gasto público e os impostos necessários para mantê-lo, também começa a contribuir para fazer do país um país de mais oportunidades, menores custos e maior segurança jurídica para todos. Esse é um dos principais desafios da democracia brasileira para poder consolidar, sem complacência e em bases sãs e eqüitativas a liberalização e a abertura da economia brasileira iniciada nos anos 1990. Esse trabalho tem que continuar a ser levado com serenidade, até pela abrangência dos seus resultados, que certamente ultrapassam barreiras ideológicas ou os interesses imediatos das agremiações políticas. A disciplina no gasto público, a política de rendas e os juros têm que se coordenar de forma a facilitar a manutenção da estabilidade dos preços e a continuação do aumento da renda do trabalho. As reformas microeconômicas também continuam importantes. Certamente há um claro anseio na sociedade para que a governança no setor empresarial público e na regulação dos serviços seja robustecida. Essa também é a expectativa dos investidores estrangeiros, tanto do mercado financeiro, quanto das grandes empresas, que começam a acreditar que o Brasil virou a página. Essa convicção só será confirmada, é claro, pelas decisões do governo, com o apoio do Congresso e da sociedade. Uma sinalização clara por parte dessas instituições continua, portanto, fundamental para a manutenção do impulso positivo da economia e da tranqüilidade de horizontes nos próximos dois anos.