Título: 2005: o ano das oportunidades perdidas
Autor: David Kupfer
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2005, Opinião, p. A13
Nos instantes que antecedem o início de uma corrida de automóveis os pilotos aceleram freneticamente as suas baratinhas, mas não saem do lugar. Todos sabem que somente após o sinal de largada o ronco dos motores se transformará em movimento. Assim encontrava-se a economia brasileira ao final de 2004. Após um ano de excelente crescimento do PIB, brilhante desempenho das exportações e do saldo comercial e algum aumento do emprego e da massa salarial, dentre outros fatores favoráveis, as empresas mostravam forte disposição para a corrida do crescimento. Porém, o ano de 2005 começou e nada de sinal de largada. Ao contrário, a puxada nas taxas de juros e a valorização do real ocorridas no último trimestre de 2004, então entendidas como medidas de ajuste pontual, promovidas por uma gestão macroeconômica excessivamente conservadora e por demais preocupada com o repique da inflação, de verdade, vieram para ficar. O ronco dos motores empresariais foi arrefecendo, até dar lugar a uma certa pasmaceira, sugerindo que a corrida foi cancelada ou, pelo menos, adiada. A história marcará 2005 como o ano das oportunidades perdidas. Para a surpresa de muitos que previam uma acomodação da economia chinesa e uma aterrisagem da economia americana, com efeitos contracionistas sobre a demanda mundial de mercadorias e sobre a liqüidez dos mercados de capitais, o cenário externo permaneceu tão ou mais favorável que o de 2004. A bonança foi devidamente aproveitada por países em situações tão díspares como Argentina, Rússia ou Tailândia, que deverão crescer a taxas superiores a 6%, mas não pelo Brasil, que apresentará crescimento em torno de 3%. A ultravalorização do real foi tão longe que, nesse momento, nenhum analista se dispõe a arriscar um piso para o valor do câmbio. Mesmo assim, o desempenho das exportações, mais uma vez, despontou como a jóia da coroa. Com previsão de superar a casa dos US$ 116 bilhões, as vendas externas terão crescido cerca de 21% em 2005. No entanto, embora tenha aumentado, o coeficiente exportador da indústria brasileira é ainda muito baixo (cerca de 17%, segundo a Funcex), de modo que o nível de atividade industrial no país é determinado, fundamentalmente, pelo comportamento do mercado interno. Esse último não resistiu ao arrocho fiscal e monetário e ao provável término dos efeitos dinamizadores decorrentes da liberalização do crédito consignado, promovida anteriormente. Como resultado, o terceiro trimestre vem revelando um desempenho frustrante, com os indicadores mensais de vendas e de geração de empregos mostrando variação negativa e projetando um quadro desfavorável também para o quarto trimestre. Esse fraco desempenho devolveu o grau de utilização da capacidade instalada da indústria aos níveis de 2003, ano de grande recessão. O resultado esperado deverá ser a reversão nas expectativas de investimento para 2006, fato que mais uma vez deverá implicar baixo dinamismo da economia no próximo ano.
A puxada nas taxas de juros e a valorização do real ocorridas no último trimestre de 2004 adiaram a corrida das empresas para o crescimento econômico
Muito além das questões de conjuntura, os contratempos enfrentados pela indústria em 2005 poderão ter conseqüências deletérias sobre uma das mais importantes corridas, e de longa duração, que as nações estão disputando: a corrida da produtividade. Entre 1990 e 2003, a indústria brasileira atravessou duas fases. Na primeira, até 1998, foi grande a elevação da produtividade, porém, associada à extensa eliminação de empregos na indústria. Esse processo estava relacionado à profunda reestruturação, baseada em mudanças organizacionais poupadoras de mão-de-obra (terceirização, downsizing, desverticalização) e incorporação de bens de capital de novas gerações tecnológicas, promovida pelas empresas. Embora suficiente para assegurar a sobrevivência das empresas que demonstraram a necessária capacidade de resposta, essa trajetória era incompatível com um ciclo sustentado de crescimento, tanto pelos efeitos macroeconômicos negativos sobre o balanço de pagamentos trazido pelo aumento do conteúdo importado da produção, quanto pela compressão do consumo decorrente da redução da massa salarial. Após a mudança do regime cambial no início de 1999, a indústria entrou em uma nova fase em que os níveis de produção e emprego voltaram a evoluir em sincronia, o que redundou em relativa estagnação da produtividade. A grande vitória obtida em 2004, que o corrente ano talvez vá se encarregar de anular, foi o fato de que a produtividade voltou a crescer em ritmo acelerado (3,2%), mas agora com geração de empregos, abrindo espaço para um círculo virtuoso de crescimento. Ao que tudo indica, essa trajetória, tão desejável quanto rara nos últimos 15 anos, interrompeu-se nos últimos meses. Finalmente, no plano institucional, 2005 merece ser esquecido. Não porque a crise política, iniciada em fevereiro, tenha sido a tônica de todo o ano, mas porque todos os avanços institucionais prometidos na fase inicial do atual governo foram desarticulados ou entraram em compasso de espera. A sofisticada política industrial e tecnológica, editada em 2004, reduziu-se a nada mais que um rol de incentivos fiscais, duramente aprovados na forma de uma medida provisória, sintomaticamente, apelidada de "MP do Bem". Esse recuo deixou claro que o poder público não teve cacife para mobilizar os corações e mentes das forças produtivas nacionais. No caso das Parcerias Público-Privadas, as PPPs, desenhadas pelo governo como a (única) solução efetiva para desatar o nó do subinvestimento nas infra-estruturas, pouco ainda se tem ouvido falar. O que esperar de 2006? No Brasil, mais um ano de muitas disputas políticas e poucas realizações em um mundo que, finalmente, deve começar a caminhar na corda bamba do aprofundamento do desequilíbrio econômico americano. A quarta Cúpula da Américas, recentemente realizada na Argentina, fracassou em descortinar novos horizontes para o continente, seja no desenho de uma alternativa à Alca, seja na revisão da política dos EUA para a região. O Brasil em particular está cada vez mais dependente de sua própria capacidade política para superar as contradições de um modelo econômico que desperdiça oportunidades de crescimento. A julgar por tudo que (não) ocorreu em 2005, o sinal de largada está ainda distante.