Título: Alíquotas de seguro são mantidas com redução de acidente
Autor: Cristine Prestes
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2005, Legislação & Tributos, p. E1
Tributário Levantamento mostra que 45% das empresas poderiam recolher contribuição menor à Previdência
Embora o Brasil ainda não esteja em uma situação confortável no que diz respeito à incidência de acidentes de trabalho, é inegável que nas últimas décadas houve um grande avanço na área de prevenção e segurança do trabalho em boa parte dos setores de atividade econômica. Nos anos 70, o Brasil teve uma média de 13.696 acidentes por grupo de 100 mil trabalhadores. Na década seguinte, a média foi reduzida para 5.388 e, nos anos 90, para 1.998 acidentes para cada 100 mil trabalhadores. A queda nos índices de acidentes de trabalho, no entanto, não se refletiu em uma esperada redução das alíquotas de contribuição para o seguro de acidente de trabalho, conforme preconiza a Lei nº 8.212, de 1991. Pela legislação, as alíquotas de contribuição das empresas variam entre 1%, 2% e 3% sobre a folha salarial, de acordo com os graus de risco leve, médio e grave de acidentes de trabalho, respectivamente. No entanto, a mesma lei prevê que o Ministério da Previdência Social "poderá alterar, com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da contribuição a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes". Embora a lei esteja em vigor desde 1991, não há notícias de empresas que tenham obtido a redução da alíquota com base na apresentação de índices melhores de acidentes. "A possibilidade existe, mas não é aplicada", afirma a advogada e sócia do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados, Mihoko Sirley Kimura. O problema ocorre porque o Ministério da Previdência, ao aplicar a metodologia que identifica o grau de risco de cada atividade econômica, usa dados desatualizados de acidentes de trabalho para chegar ao percentual de contribuição de cada empresa sobre a folha salarial. "Realmente o enquadramento das empresas nos graus de risco está defasado", admite João Donadon, diretor do Departamento do Regime Geral da Previdência Social da Secretaria da Previdência Social do ministério. "São utilizados dados antigos desde a mudança da legislação, em 1991." A defasagem é visível em muitos setores, mas foi esmiuçada em um estudo realizado pelo escritório Nóbrega Direito Empresarial. De acordo com ele, de 560 atividades econômicas listadas no Código Nacional de Atividade Econômica (CNAE), nada menos do que 45% delas poderiam ter seu grau de risco reduzido e, assim, recolher a contribuição a uma alíquota menor. Outras 8% deveriam ser classificadas a partir de um grau de risco maior - com alíquota também maior - e 47% delas teriam a atual classificação preservada. O estudo foi realizado com a utilização de dados atualizados sobre acidentes de trabalho dos diversos setores da economia aplicados à metodologia do Ministério da Previdência. "Em 30 anos o perfil acidentário das empresas brasileiras mudou muito: elas tiveram uma redução significativa em seus acidentes, o que faz com que o enquadramento atual do ministério tenha graves imperfeições", afirma o advogado João Luís Nóbrega, titular do escritório. Segundo ele, vários setores da economia poderiam obter uma economia significativa ao reduzir seus graus de risco e, conseqüentemente, as alíquotas da contribuição a recolher. Como as atividades de fabricação de bebidas, laticínios, caminhões e ônibus, tratores e produtos químicos e farmacêuticos, entre inúmeras outras. Um exemplo é a atividade de criação de aves, hoje classificada pelo grau de risco grave e com alíquota de 3%. Um reenquadramento feito a partir de dados atuais de acidentes de trabalho passaria o setor para um grau de risco médio, com alíquota de 2% de contribuição. Em 2004 a criação de aves contabilizou 1.290 acidentes de trabalho. É o mesmo caso da extração de petróleo e de gás natural, que teve 239 acidentes no ano passado: passaria do grau de risco grave para médio. Já o setor bancário, onde a incidência de Lesões por Esforço Repetitivo (LER) hoje é maior, faria um movimento no sentido inverso: passaria, de acordo com o estudo, do grau de risco leve para o grau de risco médio - ou seja, de 1% para 2% de alíquota de contribuição. O setor bancário foi o responsável por 907 comunicados de acidentes de trabalho em 2004. O resultado da defasagem no enquadramento das empresas é o superávit do Ministério da Previdência no que se refere a acidentes de trabalho: em 2004, a receita proveniente das contribuições foi de R$ 5,15 bilhões, enquanto a despesa com benefícios relacionados a acidentes de trabalho alcançou R$ 4,11 bilhões (veja quadro ao lado). O objetivo da tese desenvolvida por Nóbrega é forçar o governo a repensar o atual enquadramento das empresas a partir do ingresso de ações na Justiça. "Os elementos para o correto enquadramento já existem e o Ministério da Previdência tem ciência das distorções", afirma. O escritório já entrou com ações judiciais em nome de mais de 30 empresas de diversos setores para contestar seus enquadramentos e cobrar do governo as diferenças de alíquotas pagas nos últimos cinco anos, prazo permitido por lei para a repetição de indébito. "A intenção é que o Poder Judiciário reconheça um direito que as empresas sabem que existe e que o governo cumpra a lei", diz o advogado. Uma simulação feita pelo escritório a pedido do Valor demonstra que a tese pode se tornar interessante do ponto de vista dos custos das empresas. Tome-se o exemplo de uma empresa de grande porte com uma folha salarial de R$ 10 mil mensais classificada atualmente no grau de risco grave. Se um possível reenquadramento a partir da ação judicial fosse feito, a economia gerada mensalmente com a redução da alíquota da contribuição para o seguro de 3% para 2% seria de R$ 1,2 milhão anual. No caso de uma ação de repetição de indébito, poderiam ser recuperados R$ 22 milhões pagos a mais nos últimos cinco anos. O alento para as empresas que poderiam mudar de enquadramento mas não estão dispostas a entrar na Justiça vem do próprio Ministério da Previdência. Segundo o diretor João Donadon, há um grupo de estudos interministerial que vem há algum tempo estudando uma forma de atualização do risco de acidentes de trabalho das empresas. De acordo com ele, o ministério está trabalhando no aperfeiçoamento dos dados disponíveis sobre acidentes para que, a partir do primeiro semestre do ano que vem, as empresas possam ser reenquadradas de acordo com a situação atual. A partir daí, ele afirma que abre-se um espaço para que cada empresa, individualmente, possa pleitear uma redução no seu grau de risco, independentemente da classificação do setor em que atua. "Estamos na reta final", diz Donadon.