Título: Ministro ganha sobrevida mas deve ir à CPI
Autor: Raymundo Costa e Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2005, Política, p. A9

Crise Futuro de Palocci depende da disposição em se manter sob o alvo da oposição e ganhar defesa de Lula

Acuado pela crise, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ganhou sobrevida ontem ao prestar esclarecimentos em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, mas sua permanência no cargo está condicionada a pelo menos dois fatores: em primeiro lugar, se ele estará disposto e preparado para ser o alvo preferencial da oposição e a sangrar paulatinamente; e, sobretudo, se terá a garantia explícita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que não haverá alteração na política econômica. Mesmo com o bom desempenho do ministro - a oposição reconhece que Palocci foi sereno e habilidoso -, a convocação dele na CPI dos Bingos é considerada inevitável. O requerimento de convocação deve ser votado na próxima terça-feira, com grande probabilidade de ser aprovado. Na mesma semana, Palocci continuará a ser questionado em duas outras comissões na Câmara. Ou seja, a crise não teve ponto final, ao contrário do que esperavam o governo e o ministro ao antecipar o depoimento na CAE do dia 22 para ontem. O depoimento, na verdade, explicitou ainda mais divergências internas do governo. Palocci foi contundente ao dizer que a lógica da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, sobre a política fiscal é "errada". Para os senadores, ficou evidente que Lula terá que arbitrar a disputa, o que foi exigido pelo próprio ministro indiretamente. A antecipação do depoimento de Palocci começou a ser articulada na sexta-feira, depois que o mercado começou a dar sinais de instabilidade com a elevação do dólar. O governo decidiu jogar com todas as armas. O secretário-executivo da Fazenda, Murilo Portugal, esteve na noite de terça-feira na casa do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), em Brasília. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) foi convidado para o encontro. Portugal deixou claro à oposição que, sem Palocci, a condução da política econômica estaria comprometida, e que não havia substituto à altura para garantir a tranqüilidade na gestão. "Será o caos", disse Portugal aos senadores. O secretário-executivo informou aos parlamentares que Palocci estava de fato decidido a deixar o cargo. A ala moderada da oposição admitiu as ponderações, mas Tasso argumentou que isso não eximia Palocci de dar explicações numa CPI, caso necessário. O governo deu demonstração de força logo no início da audiência. Palocci foi recebido pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. O presidente da CAE, Luiz Otávio (PMDB-PA), convidou para compor a mesa, ao lado do ministro e de Renan, os dois ex-presidentes da Casa: ACM e José Sarney. O Planalto comemorou o depoimento de Palocci, mas está ciente de que a pressão continuará. Pivô da crise mais recente do governo, Dilma não quis comentar o depoimento do colega. No Congresso, a visão é mais realista. "O ministro vai ser alvo daqui pra frente. A intenção da oposição é política: atingir o pilar do governo Lula, que é a economia", avaliou o senador governista Romero Jucá (PMDB-RR). "A tática é perigosa, porque não se reverte tendência negativa em economia do dia para a noite". Para o líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA), "foi uma tacada inteligente do governo para reduzir a pressão". "O Palocci é o José Dirceu amanhã. Vai continuar o desgaste", resumiu o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT). Ainda durante a sessão da CAE, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), reclamava da conduta da oposição, que decidiu não fazer perguntas sobre as denúncias de corrupção que pesam contra o ministro. A estratégia foi traçada ao longo do dia por PFL e PSDB justamente para não eliminar as razões para uma convocação de Palocci na CPI. Mas a oposição teve dificuldades para traçar uma ação comum para enfrentar a ofensiva governista. Pela manhã, a bancada do PFL decidiu, com a discordância de ACM, que não compareceria ao depoimento. Em seguida, os pefelistas preferiram consultar o PSDB e partir para um jogo combinado. Entre os tucanos, também não havia unanimidade. Tasso Jereissati defendia a tese de que todos deveriam comparecer e questionar Palocci sobre as denúncias, sem prejuízo de uma convocação na CPI. Prevaleceu o meio termo: os oposicionistas acompanhariam o depoimento, mas não abordariam as denúncias. Já para o governo, a oposição demonstrou, com essa atitude, que usa a convocação de Palocci na CPI dos Bingos como uma espécie de chantagem política, uma vez que teve a oportunidade de esclarecer as denúncias e não quis. Os governistas, por sua vez, deram munição ao PFL e PSDB por terem poupado Palocci de questionamentos profundos sobre as denúncias de corrupção em Ribeirão Preto, quando ele era prefeito, de desvios de recursos de Cuba para a campanha de Lula em 2002, e de irregularidades no Banco do Brasil e no IRB, órgãos subordinados ao Ministério da Fazenda. Palocci tomou a iniciativa, no discurso inicial, de referir-se às denúncias - pediu licença ao PFL e ao PSDB alegando que se tratava de sua honra -, mas foi genérico e superficial. Resumiu-se a criticar as autoridades de São Paulo encarregadas de apurações sobre as denúncias em Ribeirão, argumentando que o objetivo das investigações é político. (Colaborou Paulo de Tarso Lyra)