Título: A bomba que explode em dois tempos
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2005, Política, p. A10

Se ocorrer, a queda do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, poderá ser um desastre para o governo federal a ser sentido a médio, e não a curto prazo. Do ponto de vista econômico, de tanto falar que a condução ortodoxa de Palocci era uma decisão presidencial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convenceu o mercado. Há a sensação, segundo analistas de consultorias para empresas, que qualquer possível sucessor aceitará a agenda de prioridades do atual ministro, em total convergência com o sistema financeiro. O ministro demonstrou habilidade política e segurança - como aliás já havia feito em sua entrevista coletiva de agosto - ao defender-se ontem no Senado. Mas continua em Ribeirão Preto, e não em Brasília, a chave para se decidir a sua permanência ou não no cargo. Como o próprio ministro transpareceu em sua exposição, existe um filme local sendo transmitido em cadeia nacional, em que ele é o bandido e morre no fim. Nominou seus inimigos, todos longe do Planalto Central: Ministério Público paulista, Polícia Civil, vereadores da oposição e seu ex-assessor, Rogério Buratti. São as fontes geradoras da associação de seu nome com bingueiros, traficantes de influência e transações cubanas e angolanas. Ontem, Buratti manteve o ministro sob sombras. Nas entrevistas que concedeu no fim de semana, ora procurou passar atestado de honestidade a Palocci, ora afirmou que muitas histórias poderão ainda aparecer. Do ponto de vista político, Lula despencará em um éter, sem ter ao seu lado em 2006 Palocci, José Dirceu, Luiz Gushiken e Duda Mendonça, para citar apenas as figuras centrais de sua vitória há três anos. "O fato mais significativo de hoje é que Lula terá que redesenhar seu governo no ano eleitoral. As pessoas mais poderosas ainda vão emergir. Haverá ambigüidade e perda de capital político em uma eventual reeleição", sugere o cientista político José Luciano Dias, analista da Góes& Consultores Associados. Não se sabe ainda se prevalecerá no comando da campanha a dureza de Luiz Marinho, Ricardo Berzoini, Dilma Rousseff e Ciro Gomes ou a suavidade de Jaques Wagner e Aldo Rebelo. Não pode ser descartada a esquizofrenia: um casamento entre Hugo Chávez e Margaret Thatcher, a mistura de retórica incendiária de esquerda contra os adversários e política ultra-ortodoxa com câmbio, juros e moeda.

Crise gera efeitos que podem ir além de 2006

"É um quadro que tira governabilidade de quem quer que seja eleito no próximo ano e o mercado ainda vai se debruçar sobre isso", prevê Dias. "Todo mundo lembra da volatilidade de 2002. Ela pode voltar a acontecer, se não existir uma junção de respaldo no mercado e força política, como existiu com Palocci até o agravamento da crise", observou o analista Cristiano Noronha, da empresa de consultoria Arko Advice. O risco de guinada econômica em 2006 é tido como desprezível. "Um quadro que leve a uma desvalorização do câmbio teria efeito imediato na avaliação popular. Crescimento econômico de 3%, somado a uma aprovação nas pesquisas inferior a 50%, não dão margem para o presidente fragilizar suas bases na economia", afirma Paulo Kramer, da Kramer & Ornellas Consultoria. Palocci pode até ter sido um protagonista de esquemas ilegais de financiamento de campanha, como é acusado pela oposição e nega com veemência. Mas, evidentemente, não foi este seu mais importante papel na história do governo Lula. Seu momento de afirmação deu-se na virada de 2002 para 2003. No domingo, completam-se exatos três anos que renunciou à Prefeitura de Ribeirão Preto. Foi confirmado no Ministério da Fazenda semanas depois, no dia em que Lula visitou a Casa Branca. Ainda era um tempo em que nem a "Carta ao Povo Brasileiro", nem a aceitação de Lula à prorrogação do acordo com o FMI tranqüilizara o mercado. "O problema é saber se o governo vai querer pagar dívida ou construir casa popular. O Lula vai se perder por aí", apostou um economista em um evento entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial. Ao promover um mega-contingenciamento orçamentário e subir a taxa de juros básica para 26,5%, o ministro da Fazenda mostrou qual era a sua opção, zerando o crescimento econômico no primeiro ano do governo Lula. Teve a força política para derrotar, nas batalhas internas, o vice José Alencar e um arco de petistas que iam de seus colegas no ministério a pelo menos um terço das bancadas da Câmara e do Senado. Não se duvida que um eventual sucessor consiga resultado similar para pactuar as questões imediatas, como o novo valor do salário mínimo ou a execução orçamentária do ano que vem. A interrogação é qual será a capacidade de pactuar o futuro.