Título: "Política econômica é ultra- ortodoxa", critica FHC
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 18/11/2005, Política, p. A9
Em entrevista exclusiva ao primeiro número revista "Agenda 45", publicação do PSDB que será distribuída na convenção do partido, a ser realizada hoje, em Brasília, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirma que "o Brasil ainda paga o preço pela demagogia do PT na oposição". Segundo FHC, "as bravatas de então levaram o PT no governo a ser ultra-ortodoxo na condução da política econômica". Na entrevista, o ex-presidente analisa a crise política do governo Luiz Inácio Lula da Silva e faz duras críticas ao presidente e ao PT. Para FHC, "a política fiscal foi apertada (por causa do que chama de demagogia do PT na oposição) a ponto de praticamente eliminar o investimento público federal e comprometer serviços fundamentais". Cita, como exemplo, o ressurgimento de focos de aftosa no Mato Grosso do Sul. "A dose de juros tem sido cavalar. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que reduz investimentos (e eleva a carga tributária), o governo aumenta o gasto financeiro", disse. "É uma combinação ruim para o crescimento". Apesar disso, o próprio FHC reconhece que o país está crescendo. Por quê? "Isso porque nós estávamos preparados para o crescimento (que herança maldita, que nada) e porque tivemos a sorte de encontrar uma situação muito boa na economia internacional". Mas ressalta que ainda assim "a verdade é que estamos crescendo à metade do que cresce a maioria dos países emergentes - não vou falar nem da China, mas veja o Chile e a Argentina, crescendo entre 6% e 8%, enquanto nós crescemos entre 3% e 4%". Para FHC, "essa diferença de três a quatro pontos é o 'custo PT'. Custo da ultra-ortodoxia na política econômica". O ex-presidente da República defende que o PSDB diga com "franqueza" o que fará se voltar ao poder em 2006. "É preciso dizer como escapar da atual armadilha econômica: a relação entre taxa de câmbio, dívida interna elevada, taxas de juros altas e controle da inflação, que nos condena a crescimento medíocre e desemprego estabilizado em nível elevado". Reconhece que não é fácil escapar da armadilha. "Se fosse (fácil), tanto meu governo quanto o atual já teriam escapado", disse FHC. Segundo FHC, "o pior da crise é que a única defesa que restou ao governo é tentar convencer a opinião pública de que 'são todos iguais', governo, aliados e oposição". O risco, acredita, é a sociedade dizer: "Que se vayan todos". FHC lamenta que Lula sempre tenha manifestado "um solene desprezo" pelo Congresso. "Basta lembrar a infeliz frase dos 300 picaretas". Diz que Lula, como deputado, "foi um parlamentar apagado". "O Congresso e os partidos são instituições fundamentais da democracia", diz FHC. "O presidente tem a responsabilidade de organizar a maioria, mas também tem o dever, como democrata e chefe de Estado, de contribuir para fortalecer a legitimidade dos partidos e do Congresso. Não pode tratar parlamentares como mercadoria e fazer do parlamento um balcão". Para o ex-presidente, não basta cassar alguns mandatos. "Falta descobrir de onde veio todo esse dinheiro. Ou, antes, por onde passou, porque não cabe dúvida de que ele saiu dos cofres públicos". Assim que tomou conhecimento das críticas feitas pelo ex-presidente, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), rumou para a tribuna da Casa disposto a rebater os tucanos. "Acho infeliz o pronunciamento do ex-presidente. Ele deveria fazer uma auto-crítica e reconhecer que não conseguiu resolver o problema do crescimento nos oito anos que governou, e não fazer uma análise simplista. Quem já governou o país deveria ter um pouco mais de humildade", disse o petista. Mercadante citou, mais uma vez, os indicadores econômicos reiteradamente comemorados pelo governo. O líder do governo enfatizou que o governo Lula gerou mais empregos formais em dois anos que FHC em oito. Argumentou, ainda, que o nível de investimentos aumento devido ao incremento da atividade produtiva, e nâo a privatizações. O petista e os tucanos travaram embates no plenário. O líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), propôs que oposição e governo discutam as amarras ao crescimento em seminário. Mercadante concordou.(Colaborou Maria Lúcia Delgado, de Brasília)