Título: Manter Palocci no cargo faz diferença?
Autor: Fernando Luiz Abrucio
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2005, Política, p. A8

A pergunta que não quer calar é a seguinte: faz diferença manter Palocci no cargo de ministro da Fazenda? A resposta depende do que se imagina como efeito desejável no dia seguinte de uma eventual substituição. Alguns temem uma mudança maior da política econômica; outros, particularmente o "fogo amigo" petista, que se coloque no lugar alguém para seguir a mesma cartilha. E o presidente Lula, por sua vez, deveria fazer o cálculo de como a manutenção ou não de Palocci afetará o desempenho econômico do país, especificamente em 2006, quando seu projeto de reeleição estará em jogo. Na verdade, todos devem temer uma possível piora no quadro econômico, sejam os atores sociais, seja a própria oposição, uma vez que, se porventura ela vencer as eleições, poderia enfrentar um cenário difícil para a governabilidade em 2007. A despeito de o ministro Palocci ter tido um bom desempenho na sabatina realizada na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, seu nome continua na berlinda, principalmente por conta das denúncias envolvendo sua gestão na Prefeitura de Ribeirão Preto. Provavelmente ele será chamado para falar na famosa e temida "CPI do fim do mundo" e poderão surgir novos fatos na imprensa, afora a pressão da investigação realizada pelo Ministério Público paulista, que tem usado métodos no mínimo estranhos para transparecer alguma culpa de Palocci em processos de corrupção. Enfraquecido politicamente, o ministro sofreu, ainda, bombardeio de integrantes do governo e do PT contra a política econômica, com o presidente Lula fazendo, pela primeira vez em seu mandato, uma tímida defesa do até então maior escudeiro. Neste contexto, a substituição do ministro da Fazenda é uma hipótese bastante forte, porém, ele tem chances de permanecer no cargo. Isso depende de três coisas. Em primeiro lugar, da capacidade de responder continuamente à opinião pública e de forma convincente. Por enquanto, esta tarefa ele vem realizando bem. Em segundo lugar, e em menor grau, sua manutenção no Ministério vincula-se à realização de um controle responsável pela oposição. Os oposicionistas devem, por dever constitucional e democrático, investigar seriamente se há algum fato que impeça Palocci de ficar na Fazenda, independente ou não de concordarem com a política econômica. Mas esta função de accountability não pode ser exercida de forma oportunista - e o teatro de muitos senadores na audiência na CAE é desserviço à nação. Que convoquem Palocci para a CPI dos Bingos rapidamente e o questionem corretamente. Depois disso, caso a opinião pública não esteja convencida da necessidade de demissão do ministro, PSDB e, principalmente, PFL devem deixar as investigações ao sistema de Justiça. Só que a manutenção do ministro Palocci depende fundamentalmente do apoio presidencial. Por isso, o presidente Lula precisa definir, antes de tudo, se quer manter a política econômica. Caso queira fazer alterações substanciais, a troca deve ser feita o mais rápido possível, uma vez que tal sinalização levaria à demissão de toda a equipe econômica e do pessoal do Banco Central. A substituição de todos produziria algumas turbulências no mercado, bem como um novo comando demoraria um tempo para se entrosar e conquistar a legitimidade política e social necessárias. Num cenário como este, mesmo sendo otimista, os resultados não chegariam da noite para o dia - e numa perspectiva pessimista, todo o trabalho feito nos últimos três anos seria jogado na lata do lixo, com grande possibilidade de a economia piorar. Dessa maneira, uma mudança maior agora seria uma aposta muito arriscada para o projeto reeleitoral petista, para não falar de seus efeitos de incerteza para o País.

Lula tem poucas condições de mudar

De outro modo, caso o presidente Lula deseje manter a política econômica ou fazer pequenos reparos em sua execução, dois são os cenários possíveis. O primeiro é acreditar que as instituições e o modelo atual são mais fortes e importantes do que a figura pessoal do ministro Palocci. Houve avanços institucionais que favorecem tal raciocínio, como a Lei de Responsabilidade Fiscal. No entanto, fica a pergunta: quem substituiria Palocci? Se for alguém de sua equipe técnica, será bombardeado pelo PT e nunca terá a confiança do presidente. Na hipótese de um nome petista, é difícil encontrar alguém que, no máximo, defenda mudanças pontuais. O senador Aloizio Mercadante seria a melhor - ou única - opção para esta linha. Contudo, ele tem sido fundamental para o governo no Senado e aspira concorrer a governador de São Paulo. A escolha de Delfim Neto foi aventada, mas muitos petistas fariam uma rebelião. Num segundo cenário favorável à manutenção das linhas gerais da economia, o presidente não demite o ministro da Fazenda, mas procura flexibilizar algumas das linhas mestras do modelo. Se esta foi a razão que levou Lula a incentivar a divergência pública entre a ministra Dilma e Palocci, talvez tenha sido um dos atos mais desastrados de seu governo. Isto porque não optar por um lado neste momento é favorecer a fritura e o ocaso político de Palocci. Mantê-lo fraco e na berlinda o levará a uma postura dura e ortodoxa, ao estilo "prefiro morrer lutando por esta política econômica". Entretanto, como dito antes, qualquer mudança de nome ou de política não será fácil levando-se em conta tanto a falta de unidade no PT em torno de um programa ou pessoa, como principalmente a crise de legitimidade pública do partido, algo que não afetou por completo o presidente, como mostram as pesquisas de opinião. Mesmo quem acredita na urgência das mudanças, sabe que o tempo corre contra o governo, particularmente porque Lula é candidato à reeleição. O mais curioso de toda esta história é que Palocci seria o nome mais adequado para flexibilizar a política econômica, se recebesse o apoio presidencial adequado. Há erros sim na política econômica, principalmente em sua vertente monetária equivocada, mas também no abandono das reformas e na inépcia da gestão pública. Só que o presidente Lula tem poucas condições políticas e de tempo para efetuar, no curto prazo, mudanças no modelo. Somente em 2007, uma nova equipe econômica poderia fazer mais modificações, resultado do debate eleitoral, do aprendizado em relação às políticas adotadas nos últimos dez anos e, sobretudo, do apoio popular que o presidente eleito, qualquer que seja ele, terá para fazer as alterações necessárias.