Título: Vice-líderes do governo reclamam de isolamento
Autor: Maria Lúcia Delgado, Raymundo Costa e Cristiane Ag
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2005, Política, p. A8

Especialista em crises provocadas pelo chamado fogo amigo, o governo pode enfrentar mais um tiroteio interno, desta vez na Câmara. Os três vice-líderes do governo na Casa - Sigmaringa Seixas (PT-DF), Beto Albuquerque (PSB-RS) e Vicente Cascione (PTB-SP) - reclamaram que foram alijados da articulação política e que sequer são chamados para reuniões do líder Arlindo Chinaglia (PT-SP) com os demais comandantes dos partidos aliados. Cascione chegou a levar a queixa ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no fim de outubro. Sigmaringa colocou o cargo à disposição quando Chinaglia foi eleito, alegando que caberia ao novo líder governista escolher seus auxiliares. E Beto Albuquerque diz estar cansado de reclamar de um problema sem obter sucesso. "Preferia nem falar disso. Já me chateei demais, não quero espalhar mais polêmica", lamentou. Cascione garantiu que, antes da conversa com Lula, no dia 26 de outubro, por três vezes expressou sua insatisfação ao próprio líder Arlindo Chinaglia. Para o petebista, o governo está "desperdiçando cabeças que também pensam" para ajudar nas negociações políticas com os aliados e com a oposição. "O presidente Lula prometeu marcar uma reunião dos líderes com os vice-líderes para as coisas voltarem a funcionar", afirmou Cascione. Beto Albuquerque acrescentou que a liderança está perdendo a oportunidade de fazer um trabalho mais unificado, coeso. Se isso acontecesse, de acordo com o parlamentar, seria possível atuar em mais frentes de batalha, de maneira mais incisiva. "Não me sinto desprestigiado ou incomodado. Apenas acho que é desperdício de uma energia que poderia e deveria ser otimizada", resumiu. Escalado em algumas batalhas para atuar como líder governista em plenário, Beto não esconde que perdeu o encanto com a relação malsucedida. Segundo ele, Cascione jogou a toalha há muito tempo, Sigmaringa afastou-se e ele começa a entregar os pontos. "A mim nunca faltou disposição para defender o governo ou para articular. Mas precisamos definir se somos ou não uma equipe", cobrou Beto. Sigmaringa é mais polido e, por ser companheiro na bancada petista, não comenta as críticas ao líder Chinaglia. Mas revela o envio de uma carta a Lula quando da indicação do colega de partido para o cargo de líder, no início deste ano. "Disse para o presidente que eu tinha sido escolhido pelo antigo líder e o deixei à vontade para indicar nomes da preferência do líder atual", diz. Sigmaringa é amigo pessoal do presidente e passa fins de semana na Granja do Torto, convidado para as partidas de futebol. Procurado pelo Valor o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), demonstrou irritação com as críticas e respondeu de maneira lacônica, alegando não se interessar pelo conteúdo da matéria. "Não trato esse assunto pela imprensa e não respondo a fofoca", atacou o petista. O cargo de vice-líder do governo vem perdendo, gradualmente, importância na Câmara. Durante o primeiro ano da gestão Lula, quando Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ocupava o cargo exercido hoje por Chinaglia, havia cinco vice-líderes do governo: além dos três remanescentes, exerciam a função os deputados Professor Luizinho (PT-SP) e Renildo Calheiros (PCdoB-PE). Em janeiro de 2004, Aldo virou ministro da Coordenação Política e Luizinho foi promovido. Quando o líder do PCdoB na Casa, Inácio Arruda (CE), assumiu a candidatura à Prefeitura de Fortaleza, Renildo foi eleito para liderar a bancada. As duas vagas abertas jamais foram ocupadas. E, provavelmente não por isso, porém retratando o descaso com a função, o governo vem colecionando derrotas no Congresso. Os vice-líderes não atuam com o líder e todos trabalham distantes da coordenação política do Planalto. Em fevereiro deste ano, depois da eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para presidente da Câmara, Lula promoveu mais uma mexida na articulação política na Casa. Saiu Luizinho e entrou Chinaglia. O deputado Ricardo Barros (PP-PR), vice-líder do governo Fernando Henrique Cardoso, diz que na administração passada a liderança delegava mais funções aos vices. "O Planalto definiu que seriam cinco líderes, um para cada partido da base aliada. E cada um ficava muito focado na articulação com a própria bancada", lembra. Segundo Barros, as tarefas também eram divididas por tema. "Quando havia um projeto muito importante, o líder delegava as funções e dizia: 'Você cuida disso, você cuida daquilo'", afirma o deputado. Além da vice-liderança na Câmara, ele desempenhava a função no Congresso e, com isso, também atuava no Senado: "Eu procurava ser atuante. Não ficava esperando o líder me pedir algo". Em comparação à articulação do atual governo, Barros percebe os problemas internos da liderança. "Há uma certa dificuldade do Planalto, uma certa desarticulação na medida em que o governo é sempre surpreendido em algumas votações", diz. "Acho que falta ao governo ter uma noção do que ocorre nas bancadas dos partidos da base", diz.