Título: Chávez será um parceiro incômodo no Mercosul
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Fonte: Valor Econômico, 21/11/2005, Opinião, p. A10

A adesão da Venezuela como membro pleno do Mercosul, a ser sagrada na próxima reunião de cúpula do bloco, no início de dezembro, tem tudo para ser uma encrenca, e das boas. Uma decisão política foi tomada antes de serem concluídas as negociações comerciais, que ainda estão em andamento. O Mercosul, onde Brasil e Argentina vivem às turras, e que carece de sintonia, incorporará o polêmico e estridente Hugo Chávez a seu palco de deliberações. Os riscos de tal atitude são visíveis; as vantagens, porém, não são óbvias. Como ficou patente na Cúpula das Américas, a orientação externa de Chávez é marcada pelo confronto aberto com os Estados Unidos, no plano político, e por uma radical negação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), no plano comercial. A inclinação oficial da diplomacia brasileira não contempla nenhuma dessas atitudes, embora mostre uma ostensiva falta de apetite para reatar as discussões sobre a Alca. A Argentina, que tem feito do autismo uma paradoxal norma de sua política externa, apóia com entusiasmo o ingresso da Venezuela no Mercosul. Chávez é um fornecedor importante de petróleo, um oponente dos EUA e dos organismos multilaterais de crédito - em linha com o comportamento de Néstor Kirchner - e um investidor oportuno. O governo chavista tem despejado parte de seus petrodólares na compra de novos títulos da dívida argentina e não manifesta nenhuma das dúvidas que os investidores externos ainda têm sobre a solvência do país. Os benefícios comerciais de trazer Chávez para o centro de decisões do Mercosul têm um custo - a ampliação dos atritos intra e extra-bloco. A receita brasileira com as exportações para a Venezuela triplicaram de 2003 para cá - de US$ 605,7 milhões para US$ 1,8 bilhão, em 2005 até outubro - mas representam apenas 1,88% do total das vendas externas. As importações, de US$ 288 milhões no ano, são muito baixas: 0,36% do total. O saldo comercial é favorável ao Brasil e atingiu, nos dez primeiros meses do ano, US$ 1,59 bilhões, ou algo em torno de 4% do superávit externo. A economia venezuelana é pouco diversificada e muito dependente do petróleo. O governo Chávez tem feito pouco para quebrar esta dependência e segue uma orientação estatista. O tesouro da Venezuela é o petróleo e isto determina seu comércio com o Brasil e com o resto do mundo. Mais da metade das compras brasileiras é de combustíveis e petroquímicos. Sardinha, enxofre, alumínio, chumbo e outras matérias-primas vêm em seguida. Na via contrária, predominam os manufaturados. Veículos, autopeças e pneus compõem 26% da pauta de exportações brasileiras para o país. Vendas de celulares são outros 12,7% e a de carnes, mais 7,11%. O Brasil vende 5,2% do total de mercadorias compradas pelo vizinho. É certo que um acordo comercial poderia potencializar nas duas vias o intercâmbio. Mas, se fosse ignorada a política, a Venezuela tem mais laços com os EUA do que com qualquer outro país do mundo. É para lá que foram, em 2004, 67,6% de suas exportações - 79% delas de óleo e gás - e é de lá que vem 31,5% de suas importações - compostas por 56,8% de matérias primas e bens intermediários, 22,6% de bens de capital e 24,5% de bens de consumo. Chávez quer fugir dos braços dos EUA pulando para o abrigo do Mercosul, já que está "cercado" na Comunidade Andina. Peru, Equador e Colômbia estão prestes a fechar um acordo de livre comércio com os EUA. Migrar para o Mercosul resolve temporariamente alguns de seus problemas, mas só será uma saída se o bloco rejeitar definitivamente a Alca. Esse é um dos muitos sinais que a entrada da Venezuela no Mercosul emite para os EUA. Se este aspecto já não fosse bastante problemático, o acordo em si traz sua dose de incertezas. Seus termos não estão concluídos há menos de 10 dias da reunião de cúpula e suspeita-se, como no caso da Comunidade Andina, que ele trará benefícios imediatos e generalizados para a Venezuela, mas uma abertura lenta para o Mercosul. No âmbito da Comunidade Andina, o Brasil aceitou abrir 92,9% de seu mercado em até 8 anos, enquanto esse percentual, para a Venezuela, é de 22,5%. Apenas em 9 a 15 anos é que 71,8% dos produtos que ingressam na Venezuela seriam desgravados. Possivelmente, a proposta final de adesão do país ao Mercosul trará vantagens adicionais.