Título: A teoria dos investimentos segundo a ciência do lobismo
Autor: Antonio Prado
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2005, Opinião, p. A10

Crescimento da poupança não é essencial para colocar a máquina produtiva em movimento

A teoria econômica do século XX gerou as mais brilhantes abordagens sobre a dinâmica dos investimentos. Abandonou-se a idéia simples e equivocada de que o crescimento da poupança determinava a dinâmica dos investimentos e se procurou causas mais profundas para esse fenômeno fundamental das economias capitalistas. Schumpeter encontra na busca pela geração de assimetrias competitivas e, portanto, de lucros de monopólio, o elo da adoção de inovações pelos empresários criativos, financiados pela expansão do crédito. O motor do desenvolvimento está na apropriação das invenções científicas como instrumentos definitivos da concorrência capitalista, através da sua transformação em tecnologia de produtos, processos ou de gestão empresarial. Não há na abordagem a necessidade de poupança prévia para a realização dos investimentos, pois o crédito cria recursos necessários e coloca a máquina produtiva em movimento. O longo prazo, neste caso, não é abstrato e sim o decorrer histórico e irreversível das mudanças estruturais e materiais da ordem econômica e social. A instabilidade transformadora da inovação é o melhor para a economia no longo prazo. Keynes tratou de esclarecer que o investimento precede o aumento da poupança na economia, à medida em que esta é função da renda, que por sua vez depende dos gastos agregados. Em sua análise, é central o fato de a economia capitalista ser uma economia monetária e que, portanto, o dinheiro não é elemento passivo nas decisões de investimentos. Elas dependem da eficiência marginal do capital, da sua taxa de juros intrínseca de longo prazo e da taxa de juros monetária de curto prazo. Por que investir se há ativos de maior liquidez e rentabilidade disponíveis? Para Keynes, não se investe nessas circunstâncias. Kalecki considerou os juros apenas na dimensão do risco crescente envolvido no endividamento necessário para o aumento do estoque de capital produtivo. De fato, centrou mais sua análise nas possibilidades de alavancagem financeira a partir da acumulação interna da empresa, na natureza paradoxal do investimento como gasto e elemento de aumento da capacidade produtiva e da variação da taxa de lucros. Com os novos clássicos, retorna à cena a idéia de que a poupança financia os investimentos e, portanto, devem ser feitos esforços para ampliar a poupança, no sentido de permitir um aumento dos investimentos. Cortar gastos públicos e restringir o consumo, a velha receita. Não há nada na história do capitalismo que suporte essa tese, mas ela prospera de forma impressionante. Todo economista americano do veio principal propõe e governo americano conservador nenhum segue. Por que será?

Vulnerabilidade externa e as altas taxas de juros são fatores determinantes que desestimulam os investimentos no Brasil

Como Keynes lembrou, há sempre um economista morto por trás do pensamento de um homem de negócios. Evitou tratar do fenômeno da proliferação de economistas bastante vivos dentro do mundo de negócios. O fato é que com eles proliferam também as teses econômicas do lobismo, disfarçadas em ciência dura. Nos últimos anos, de tudo se ouviu nesse debate. Há os que defendem que a carga tributária brasileira é excessiva e que ela desestimula a comunidade empresarial a realizar novos investimentos. Mas são justamente os investimentos públicos que estão abaixo da média dos anos 70. E se carga tributária fosse elemento de desestímulo aos investimentos, a Holanda seria exemplo de estagnação permanente e certamente não é. Tampouco os EUA teriam passado por uma década fabulosa, enquanto sua carga tributária crescia. Pouco, mas na direção contrária da receita convencional. Se olharmos o terrível longo prazo, veremos que a receita geral do governo britânico, em 1870, era de 8,7% do PIB e, em 2003, chegou a 37,1%. A ilha não regrediu à idade das pedras, só gerou uma dama de ferro. A corrupção é uma praga, socialmente perniciosa e deve ser combatida. Mas é melhor tratá-la como objeto de ação da polícia e não da teoria dos investimentos. Há os que dizem que a corrupção impede os investimentos. Bem, os barões ladrões do século XIX nunca deixaram de investir por causa disso, pelo contrário, merecem a alcunha principalmente por terem roubado muito, corrompido abertamente e usado de todos os meios para viabilizar seus investimentos e não apenas por acenderem charutos com notas de cem dólares. Os falcões ladrões do século XX, tampouco. Os levantamentos mundiais apresentam o Brasil em um ranking horroroso no que se refere à corrupção. Logo, alguns economistas correm a dizer que é por isso que o país não recebe investimentos suficientes. Mas se esquecem que a jóia dos investidores internacionais, a China, está classificada no mesmo ranking do Brasil. Mas, ora, a corrupção lá não atrapalha os investimentos, atrai? O ambiente jurídico e regulatório é também uma nova moda. Os economistas neo-institucionalistas acreditam que, havendo uma estrutura regulatória adequada, os investimentos irão florescer como as folhas que cobrem na primavera as árvores secas no hemisfério norte. Estamos há pelo menos uma década fazendo reformas de todos os tipos e, a cada nova reforma, dado que a taxa de investimentos parece não reagir, os modelistas apresentam a necessidade de se aprofundar ainda mais nas reformas. Isso cria um fenômeno de inconsistência dinâmica, ao gosto dos admiradores da teoria dos jogos, pois se os empresários esperam condições regulatórias melhores adiante, incluem essa esperança no cálculo das suas decisões de investir e essa novela interminável acaba por ser fator de adiamento de investimentos, não de estímulo. É preciso criar um ambiente regulatório adequado, mas não apostar que esse seja um elemento determinante. Não seria mais simples reconhecer que as taxas de juros reais no Brasil têm sido monstruosas nos últimos anos; que a vulnerabilidade externa, construída durante os anos 90 através de um câmbio sobrevalorizado, desestruturou parte da indústria, atingiu duramente o agronegócio, desorganizou as finanças públicas e reduziu a base tributária, através do aumento do desemprego, da informalidade fiscal e trabalhista? E que o aumento da carga tributária é desastroso, não pelo seu nível, mas pela sua esterilização na defesa da riqueza financeira?