Título: CA luta para exorcizar velhos fantasmas
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Fonte: Valor Econômico, 21/11/2005, Especial, p. A12

Software Um ano depois de iniciar sua reformulação, companhia ainda precisa mudar mais para voltar à velha forma

Em novembro do ano passado, só um mês depois de assumir o comando da problemática empresa de software Computer Associates, foi que John A. Swainson descobriu em que apuros se metera. Ele fora convocado a uma sala sem janelas nos escritórios da Axa Insurance, em Manhattan. Do outro lado da mesa, havia um cliente insatisfeito: Leon Billis, diretor do departamento de tecnologia da Axa. Billis listou diversas reclamações graves e disse que pensava em romper o contrato com a empresa. "Foi uma reunião terrível", diz Swainson. "Você acaba de assumir uma companhia e um de seus principais clientes está considerando a possibilidade de um rompimento." As coisas só ficariam piores. Quando começou a desempenhar suas novas funções de executivo-chefe no campus da CA em Islandia - em Long Island, Nova York -, Swainson começou a receber más notícias, uma após a outra. Produtos estavam com desenvolvimento atrasado e exibiam qualidade abaixo do desejável. Ele teve de demitir executivos por quebrar regras. Auditores contábeis não paravam de encontrar erros do passado nos livros da empresa. E tudo isso ocorreu depois de um grupo de executivos recém-contratados ter trabalhado durante meses para fazer uma limpeza total nos destroços deixados pela administração anterior. Em junho, Sanjay Kumar, o executivo-chefe anterior, fora alvo de uma nova rodada de acusações de fraude relacionadas ao escândalo contábil que abalara a CA. O julgamento de Kumar, no qual ele declarou ser inocente, terá início no primeiro semestre de 2006. A jornada de Swainson na Computer Associates é um verdadeiro "estudo de caso" de um executivo-chefe empenhado na execução de um projeto de recuperação pós-desastre. Nenhuma recuperação é fácil, mas dar um jeito numa organização afetada por um escândalo é uma das situações mais desafiadoras com que um executivo pode se defrontar. Embora sejam muito poucos os executivos diante de um caso tão extremo, os obstáculos que Swainson enfrenta diante de uma companhia com receita anual de US$ 3,5 bilhões pode oferecer lições de liderança a qualquer administrador. Trata-se de um verdadeiro número de malabarismo. Um líder que tenha pela frente esse tipo de operação precisa entender-se com agências fiscalizadoras, aplacar clientes, fazer as pazes com Wall Street, levantar o ânimo dos funcionários e restabelecer a eficiência do negócio principal - e tudo isso simultaneamente. Especialistas em administração de empresas dizem que os passos fundamentais envolvem livrar-se de todos os "maus atores", adotar regras contábeis rigorosas e mudar a percepção e a reputação da companhia diante de funcionários, clientes e investidores. "Você tem de corrigir a operação, a cultura e a imagem. Quanto mais peças você tem de realinhar, mais difícil será sua missão", diz Joseph M. Pastore Jr., professor emérito na Lubin School of Business da Pace University. Depois de um ano fazendo o reconhecimento do terreno, Swainson dá sinais de um rompimento total com o passado. Na conferência com os clientes realizada no dia 13, ele mudou o nome da empresa - trocando Computer Associates por um simples CA -, na esperança de remover as manchas dos escândalos. Além disso, apresentou os primeiros produtos importantes da CA lançados em quatro anos, encerrando uma fase de "seca de inovações". E está abrindo um centro de operações satélite em Manhattan. A mensagem para clientes e parceiros: chega de aturar os congestionamentos em Long Island. Podemos recebê-los em Manhattan. Swainson encara com firmeza o que há para ser feito. O executivo tem 51 anos e, antes de assumir a CA, galgou a hierarquia da IBM durante 26 anos, ocupando cargos relacionados ao desenvolvimento de produtos cruciais e às vendas. Quando chegou à CA, Swainson leu livros sobre a recuperação de empresas e consultou executivos que já tinham enfrentado o mesmo problema, entre eles Edward D. Breen Jr., da Tyco International, e Michael D. Capellas, da MCI. As conversas com Capellas ocorreram durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, em janeiro. Capellas advertiu Swainson de que ele teria "bons dias e maus dias, porém, mais más do que boas surpresas". Além disso, aconselhou-o a manter-se em constante comunicação com funcionários, clientes e investidores. "Você provavelmente achará que está se comunicando demais, mas não (estará)", relembra o executivo da CA. Swainson já sabia que uma de suas mais importantes tarefas seria mudar a cultura da CA. Sua primeira decisão foi mandar um recado vigoroso a todos os 5,5 mil programadores de software da companhia: inovação é importante. Durante a década de 90, a CA incrementou seu elenco de produtos adquirindo outras companhias em vez de desenvolver muita coisa ela própria. A empresa acumulou milhares de produtos em quase uma dúzia de mercados. Simultaneamente, a organização havia se burocratizado a tal ponto que uma ex-engenheira-chefe chegou a instalar uma impressora de senhas numeradas do lado de fora de sua sala, como em uma lanchonete de fast-food. As pessoas apanhavam uma senha e esperavam chegar sua vez de falar com ela.

Burocracia era tanta que era preciso tirar uma senha para conversar com uma engenheira-chefe

Swainson começou a mudar tudo isso. Ele dedicou incontáveis horas, durante seus primeiros meses na CA, a reuniões com pequenas equipes de engenheiros numa sala de reuniões na suíte executiva. Desse exercício surgiu uma nova estratégia envolvendo um enfoque sobre três mercados empresariais interrelacionados: gerenciamento de sistemas, segurança e armazenamento de dados. A demonstração de interesse por parte de Swainson foi uma injeção de ânimo nos técnicos. Antes disso, a maioria dos desenvolvedores nunca tinha conversado com executivos. Então, eles passaram a sentir-se como cidadãos de primeira classe. Adicionalmente, Swainson convidou qualquer pessoa que tivesse uma idéia ou alguma queixa a enviar e-mails diretamente para ele, e os funcionários passaram a fazê-lo. "Faz parte de minha rotina enviar e-mails a John sugerindo novas tecnologias que deveríamos abraçar - e ele responde", diz Kouros Esfahany, líder de uma equipe de desenvolvimento de dez pessoas. Mas Swainson não paparica seus engenheiros. No início do semestre, eles estavam animados e impacientes para lançar a primeira grande atualização, em quatro anos, de um produto chamado Unicenter. Em julho, numa reunião no sexto andar da sede da CA, uma dezena de gerentes de engenharia fez perante Swainson e outros executivos o que supostamente seria a apresentação final, antes da distribuição do produto. Depois de uma reunião tensa, o executivo-chefe deu um veredicto negativo. A atualização não estava à altura dos padrões típicos de uma IBM, como ele havia estabelecido. "Ele disse que esse produto precisava ter um patamar de desempenho superior", relembra Jeff Clarke, diretor de operações da CA que esteve presente à reunião. O que se seguiu foi o acréscimo de uma série de melhorias ao Unicenter. O segundo passo para Swainson foi uma reformulação da força de vendas, de 2,5 mil pessoas. Uma nova equipe de gerenciamento já havia podado a maior parte das maçãs podres, mas havia necessidade de outras mudanças. Tradicionalmente, a CA pagava a seus vendedores comissões antecipadas, com base no valor dos contratos assinados com os clientes. Para os vendedores, o mais fácil era simplesmente renovar os contratos antigos. Agora, segundo o novo sistema em vigor, as comissões são pagas no decorrer da vida de um contrato e recebem pagamento mais alto quem é capaz de vender adicionais. Isso pressiona os vendedores a certificarem-se de que os clientes estão satisfeitos. Antes da chegada de Swainson, a CA já vinha tentando acertar seu relacionamento com os clientes, mas o executivo sentiu que havia mais a ser feito para tranqüilizar os consumidores e passou a conversar individualmente com mais de 200 usuários de produtos da companhia. Esse esforço começa a dar resultado. A seguradora Axa, que quase rompeu com a CA em dezembro, decidiu expandir o relacionamento. No mês passado, anunciou que comprará o equivalente a mais de US$ 7 milhões em novos produtos e serviços. A próxima tarefa de Swainson é conquistar credibilidade em Wall Street. Mas seu foco é em resultados, e não em mimar analistas e investidores institucionais. No trimestre passado, a receita da CA cresceu 9%, para US$ 942 milhões, ao passo que o lucro líquido subiu para US$ 41 milhões, frente ao prejuízo de US$ 98 milhões no ano anterior. Apesar disso, as ações, cotadas em US$ 29, estão no mesmo patamar em que estavam quando Swainson assumiu a CA. Os investidores têm razões para estar céticos. Há anos a CA vinha prometendo saneamento e recuperação. Além disso, perdura uma questão fora do controle de Swainson como executivo-chefe. Dois membros do conselho de administração, o chairman Lewis S. Ranieri e o ex-senador Alphonse M. D'Amato (republicano por N.Y.), são remanescentes do período conturbado. Especialistas em administração dizem que em situações como essa é melhor renovar o conselho de administração inteiro. Ingenuamente, Swainson estimou que poderia recuperar a CA em um ano. Mas Capellas advertiu-o em Davos que isso poderia exigir três ou quatro anos. Swainson agora aceitou o fato de que a briga é mais longa e difícil. "Levou bastante tempo para a CA ficar tão desajustada", diz ele. "Agora, vai levar outro tanto para ajustá-la - e levará ainda mais tempo para as pessoas reconhecerem isso." (Tradução de Sergio Blum)