Título: Os lapsos do presidente
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2005, Política, p. A8

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva atribuiu a um "lapso" sua declarada intenção de concorrer à reeleição. Corrigindo-se, disse que, na realidade, ainda não decidiu se tentará ou não um novo mandato. Segundo o Aurélio, lapso é um erro cometido por descuido, distração, ou ainda "deslize, escorregadela, culpa". Por seus atos e palavras recentes, talvez não seja exagero dizer que o presidente da República deixou o ministro Antonio Palocci em câmara ardente, durante dois longos finais de semana, também por um lapso. Diga o que disser o presidente, a partir de agora, o fato é que o ministro da Fazenda perdeu a cor, já não exibe mais o viço, a exuberância dos todo-poderosos. E não há como culpar PSDB e PFL pelos infortúnios de Palocci. No atual governo, a oposição não tira nem segura ministro. A opinião pública, como elemento de decisão de poder, não é moeda corrente no Palácio do Planalto. Se fosse, José Dirceu teria caído com o escândalo Waldomiro Diniz, em fevereiro de 2003. Os problemas de Palocci são três: seu passado, o PT e o presidente Lula. Dos três, o único que o governo pode - e tem feito - atribuir de alguma forma à oposição é a ação do Ministério Público de São Paulo. Mesmo assim, um petista bem situado no governo não se cansa de perguntar como a escola de Ribeirão Preto criou uma gama de dedos-duros que nenhuma outra prefeitura teve a capacidade de criar: que acordo não foi cumprido para que homens de confiança à época se voltem hoje contra aquele (Antonio Palocci) que é considerado a viga mestra do governo? Ao confrontar a política econômica de Palocci, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) traduz as inquietações eleitorais do PT e do próprio Lula. São também essas as inquietações que transformaram o presidente no terceiro grande problema de Antonio Palocci. Lula, que até então avalizara integralmente as políticas do ministro, vacilou ao primeiro sinal de que os números da economia podem não ser aqueles que ele gostaria que fossem para disputar a eleição de 2006 como franco favorito. Entre um ministro que julga capaz a reeleição do presidente num cenário de inflação baixa, mas de crescimento menor e de rigor fiscal e outro que pretende provocar uma bolha de consumo (e alguma inflação) às vésperas da eleição, Lula fez a pior opção: resolveu estimular o debate sobre a política econômica, quando deveria ter tomado a decisão, apontado o rumo, arbitrado a demanda. Em vez disso, talvez por um lapso, recolheu-se a um silêncio que deixou constrangido o ministro Palocci, seus auxiliares e até familiares, que passaram a pressionar por sua saída.

Passado, PT e Lula são os problemas de Palocci

Algumas raposas bem peludas do Congresso, como José Sarney e Renan Calheiros, suspeitam de que a disputa Dilma-Palocci é artificial, uma cortina de fumaça que se dissiparia mais adiante com o ministro da Fazenda descarregando algum lastro para ajudar na reeleição do presidente, que é o objetivo de ambos. Afinal, essa é uma disputa recorrente a todos os governos. Mas, Sarney e Renan são exceções. A percepção generalizada do Congresso é que Palocci saiu do embate com escoriações variadas. Por via das dúvidas, a oposição preferiu não se meter no que considera uma acirrada disputa interna, cuja arbitragem caberia única e exclusivamente a Lula. Não quer repartir com o presidente a responsabilidade e as conseqüências por eventual saída do ministro, mesmo correndo o risco de ser acusada - como tem sido - de poupar Palocci porque, na verdade, não teria elementos concretos para sustentar as denúncias que ecoam contra a administração dele em Ribeirão. PSDB e PFL também vivem seu lapso (espaço de tempo) eleitoral. No cálculo da oposição, a reeleição de Lula se sustentaria em três pilares: o partido, ações de governo e o carisma pessoal do presidente. O PT está destroçado, perdeu a cabeça em sua principal base eleitoral, São Paulo, com a desgraça de José Dirceu e José Genoino e a cortina de dúvidas que se abriu sobre as possibilidades de Aloizio Mercadante ou Marta Suplicy tomarem o governo do Estado dos tucanos. Já o governo federal não teria nada exuberante para mostrar, no próximo ano, e, a cada dia - de lapso em lapso -, mais enfia os pés pelas mãos, sem que a oposição precise fazer o menor esforço. O exemplo é a disputa Dilma-Palocci, que atingiu aquela que é considerada a sua área de excelência - o ministro Palocci e a política de estabilização. Restaria o carisma do presidente da República, o que é considerado pouco para lhe garantir um novo mandato nas eleições de outubro de 2006.