Título: SDE inocenta Enron e AES de manipular venda da Eletropaulo
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2005, Empresas &, p. B6

Após dois anos de investigações, o Ministério da Justiça concluiu que não houve fraude à concorrência na venda da Eletropaulo em abril de 1998. A Secretaria de Direito Econômico (SDE) pediu o arquivamento da denúncia contra a AES e a Enron. As duas empresas foram acusadas, em maio de 2003, de fecharem um acordo para dividir o mercado brasileiro. Mas o caso não deve acabar tão cedo. A procuradora Simone Maria Araújo Leite Ferreira analisou a documentação levantada pela SDE e concluiu que a denúncia merece nova investigação. Ela quer que o Cade refaça todo o trabalho da secretaria.

A denúncia partiu do jornal britânico " Financial Times " e teve forte impacto político no Brasil. Na época, o jornal informou que, pelo suposto acordo, a Enron deixaria a AES levar a Eletropaulo no leilão e, em troca, construiria uma usina para vender energia à empresa. Quando a notícia estourou, o governo Lula estava no início e a oposição pediu para ouvir a direção do BNDES e ministros petistas sobre eventuais apoios financeiros à AES. Em resposta, parlamentares petistas jogaram a culpa pelo " escândalo " no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, durante o qual foi realizada a venda da Eletropaulo e o suporte financeiro à AES.

O Senado decidiu encaminhar o caso às autoridades antitruste. E, pela primeira vez na história, a SDE pediu ajuda dos órgãos de defesa da concorrências dos Estados Unidos para ajudar nas investigações. Mais de dois anos depois, a SDE verificou que a Enron não obteve qualquer benefício sobre a venda da Eletropaulo, e nem após esse negócio.

O Ministério da Justiça investigou todos os contratos da Eletropaulo após a privatização. Em meio a dezenas de contratos, há apenas dois com a Enron. Ambos são para a venda de energia " spot " - jargão do setor elétrico para designar a energia adquirida para uso imediato por preço e quantidades certos. São contratos " de curta duração e de pequena monta " , relatou a SDE em seu parecer.

" O fato é que a Enron nunca foi fornecedora assídua de energia da Eletropaulo " , afirmou a advogada da AES, Viviane Araújo Lima, do escritório Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro. Segundo ela, a conclusão da SDE está correta, pois a Enron, sem grandes contratos com a Eletropaulo, não poderia ter se beneficiado do leilão de 1998.

Apesar de a SDE ter se manifestado pelo arquivamento do processo, a discussão sobre os efeitos da privatização da Eletropaulo continua. Caberá ao Cade decidir se arquiva ou não a denúncia. E o parecer da procuradora ordena o reinício das investigações.

No entendimento da procuradora, há indicações fortíssimas de formação de cartel. Ela cita o depoimento de um ex-conselheiro-geral da Houston Industries - empresa acionista da Light -, Hugh Rice Kelly. Ele disse ao " Financial Times " : " A AES foi a engrenagem principal nesse acordo com a Enron. Nós achávamos que havia algo de podre no acordo que Oscar Prieto (ex-executivo da AES) assinou em nome da AES. A coisa toda cheirava mal. "

O executivo referiu-se a um suposto acordo ocorrido na madrugada de 15 de abril de 1998, horas antes do leilão da distribuidora paulista. O objetivo seria fazer com que a Enron deixasse de fazer proposta pela Eletropaulo. Em contrapartida, ganharia um contrato com a Light para a construção de uma usina de geração de energia.

A decisão sobre o reinício ou não das investigações será tomada pelo relator do processo no Cade, conselheiro Luis Fernando Rigato Vasconcellos.

A SDE ouviu as empresas envolvidas: a AES, a Light, o consórcio VBC Energia (vencedor no leilão) e empresas ligadas ao grupo Enron. A AES e a Light criticaram a reportagem do " Financial Times " . Para a Light, a matéria do jornal inglês " não merece credibilidade por não ter apontado as fontes nas quais se baseou " . Para a AES, as alegações da reportagem são " infundadas " .