Título: O uso do teste toxicológico pelas empresas
Autor: Marcelo Pereira Gômara
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"A legislação brasileira não aborda de forma direta a possibilidade de realização de testagem no ambiente de trabalho"

A utilidade do teste para identificação de uso de álcool e drogas pelos trabalhadores nas empresas foi deflagrada há cerca de 15 anos, por força de um dos maiores acidentes ecológicos da história, causado pela suposta embriaguez do capitão de um super-petroleiro de uma empresa dos Estados Unidos. O referido acidente causou uma mancha de 40 milhões de litros de óleo na costa do Alasca, matou milhares de aves, centenas de mamíferos e prejudicou a renda de milhares de pescadores. Além de ter a imagem arranhada, a empresa gastou bilhões de dólares em multas e indenizações, além da despesa com a limpeza das praias e das águas do Ártico. Mesmo tendo a Justiça americana concluído que o acidente teria ocorrido por uma série de erros da tripulação e imposto somente a pena de prestação de serviços comunitários para o capitão do navio, o alerta sobre o risco do trabalho realizado sob o uso de álcool ou drogas havia sido definitivamente acionado. Daí em diante as empresas, especialmente as americanas, iniciaram a implantação de políticas de teste para seus empregados que trabalhavam em atividades que poderiam expor a si, a seus colegas ou terceiros a riscos, como, por exemplo, tripulantes de companhias aéreas e motoristas de caminhões de transporte de líquidos inflamáveis. No Brasil, a testagem toxicológica começou a ser realizada por subsidiárias de empresas americanas no início da década de 90. Uma década depois, é hoje uma prática consolidada em empresas das mais diversas origens e atividades. Tal preocupação se justifica. Uma pesquisa realizada pelo United States Department of Labor, citada no Bulletin on Narcotics, em 2000 - "The cost to employers of employee alcohol abuse: a review of the literature in the United States of América" - concluiu que os impactos identificados pelos empregadores são somente a ponta do iceberg do problema decorrente do uso de álcool e drogas no ambiente de trabalho, pois não há ainda mensuração exata do efeito dos erros dos abusadores e suas conseqüências dentro da organização. Dentre referidos efeitos, cita-se o alto índice de absenteísmo e atrasos, o aumento na utilização de seguro-saúde para o tratamento do abuso de álcool e drogas e de suas seqüelas, a diminuição do tempo de reação, a perda de coordenação motora, o prejuízo da visão e a redução da capacidade de tomar decisões acertadas. Os impactos sociais do uso de álcool e drogas também não podem ser ignorados: agressões domésticas, desagregação familiar, diminuição da assiduidade em escolas ou desistência do ano letivo, relações sexuais de risco, aumento de custo para o Estado com programas de saúde e aumento da violência urbana.

No Brasil, a testagem começou a ser realizada por subsidiárias de empresas americanas no início da década de 90

Mesmo diante deste quadro, a legislação brasileira não aborda de forma direta a possibilidade de realização de testagem toxicológica no ambiente de trabalho, sendo as discussões jurídicas sobre a sua possibilidade baseadas em princípios constitucionais, como o que determina que um indivíduo não pode ser obrigado a fazer algo se não for com base em lei, o que determina o direito à intimidade e o que trata da supremacia do interesse coletivo sobre o individual. Buscando balancear de forma legítima o interesse coletivo em um ambiente de trabalho seguro e os interesses individuais de cada empregado, o primeiro passo a ser tomado na implementação de uma política de testagem toxicológica é a prévia comunicação da adoção do programa. Essa comunicação deverá conter uma clara exposição das razões pelas quais a política será adotada, o critério para a realização dos testes toxicológicos e as conseqüências de eventuais resultados positivos. É essencial a obtenção de uma anuência do empregado para a realização dos testes e o respectivo acesso da empresa ao resultado, que deverão, entretanto, ser tratados com confidencialidade mesmo dentro da organização. Os testes devem ser realizados com base em critérios não discriminatórios, vale dizer, todos os empregados da empresa devem estar sujeitos à sua realização. No caso de resultado positivo confirmado, as empresas têm tomado medidas que variam entre a advertência e a suspensão do empregado, com seu encaminhamento para tratamento, até um eventual desligamento, na hipótese de conduta reiterada ou não aderência às medidas terapêuticas sugeridas. Inicialmente encarada como medida repressiva, o teste para identificar o uso de drogas ou álcool no ambiente de trabalho, desde que respeitados os limites legais, demonstrou ser um bom investimento por parte das empresas, não somente por auxiliar na redução dos danos econômicos decorrentes desses uso, mas também por ser importante arma no combate aos malefícios decorrentes de tais condutas sob o ponto de vista social.