Título: Avanços moderados
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2005, Valor Especial / CENÁRIOS PARA 2006, p. F1

Imagem do copo meio cheio ou meio vazio parece sob medida para 2006, ano de crescimento maior, inflação menor e menos exuberância nas exportações

O desempenho da economia brasileira em 2006 deve ser melhor do que o deste ano, pelo menos em termos de crescimento e inflação. Não se espera uma expansão "asiática" do PIB, mas o cenário formado por juros declinantes, aumento da renda e dólar comportado reforça as apostas num crescimento de 3,5% a 4% - mais que os cerca de 3% esperados para 2005. A inflação deve ser inferior aos estimados 5,5% deste ano, com grande possibilidade de ficar próxima do centro da meta, de 4,5%, devido ao câmbio valorizado e à expectativa de reajuste modesto dos preços administrados. O panorama das contas externas, por sua vez, não será tão exuberante, devido ao impacto do dólar barato. Mesmo assim, o saldo comercial deverá continuar robusto, na casa de US$ 35 bilhões. Com essa solidez, o Brasil fica bem menos vulnerável a uma eventual piora no quadro internacional ou a turbulências causadas pelas eleições de 2006. Os principais cenários para a economia no ano que vem foram discutidos ontem, em São Paulo, no VI Business Round Up, evento promovido pelo Valor e pela Câmara Americana de Comércio. O consumo das famílias deve ser o principal motor para o crescimento no ano que vem, segundo analistas como José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e sócio da MB Associados. O crédito, que impulsionou o crescimento em 2004 e 2005, ainda deve ter fôlego em 2006. A queda dos juros esperada para os próximos meses deve ajudar a manter a expansão do crédito a um ritmo razoável, ainda que inferiores ao deste ano, diz Mendonça de Barros. De janeiro a setembro, os empréstimos com recursos livres cresceram 19,1%, para R$ 323,3 bilhões. Mendonça de Barros lembra ainda que o cenário é razoável para a recuperação do emprego e da renda. A MB prevê expansão de 5,1% para a massa real de salários (descontada a inflação) neste ano e de 4,9% para o ano que vem. Para ele, o investimento também deve ajudar a economia em 2006, favorecido pela queda dos juros. O economista-chefe do Pátria Banco de Negócios, Luís Fernando Lopes, diz que os gastos do governo tendem a estimular a economia, como costuma ocorrer em anos eleitorais. Mesmo que o governo cumpra a meta de superávit primário de 4,25% do PIB, a política fiscal tende a ser expansionista em 2006. Afinal, a economia do setor público para pagar juros deverá ser menor do que a deste ano, que está em 6,1% do PIB no acumulado de janeiro a setembro e deve fechar 2005 próxima de 5% do PIB. Com pressões de parte do governo para acelerar gastos, o mais provável é que a execução orçamentária seja mais frouxa no ano que vem, avalia Lopes. Mendonça de Barros também conta com um empurrão fiscal para sua previsão de 3,3% para o crescimento em 2006, acima dos 3% previstos para este ano. Lopes projeta 3,2% em 2005 3,8% em 2006, e há quem coloque suas fichas num desempenho ainda melhor no ano que vem, como o diretor de Pesquisa para a América Latina do WestLB, Ricardo Amorim, que aposta em 4,2%. A surrada imagem do copo meio cheio ou meio vazio parece feita sob medida para a economia brasileira em 2005 e 2006. "O desempenho é razoável se você olha para a nossa história recente, mas insuficiente em relação a outros emergentes", afirma Mendonça de Barros. Como o Brasil cresceu a uma média de 2,4% ao ano nos últimos dez anos, um crescimento de 3,5% a 4% não é ruim, mas não há como impedir a frustração se a comparação for com os 6% ou mais de expansão dos competidores do país, principalmente os asiáticos. "E, se você olha para frente, o resultado é medíocre. A golpes de crescimento de 3% ou um pouco mais, você não vai reduzir a pobreza nem em 30 anos." Em 2005, a expansão do PIB dificilmente deve ficar acima de 3%. A atividade econômica sofreu uma forte desaceleração no terceiro trimestre, como mostraram os números da produção industrial de setembro, que recuou 2% em relação a agosto, na série livre de influências sazonais. Para acelerar o crescimento e garantir uma alta mais próxima dos 4% em 2006, boa parte dos analistas passou a pedir uma redução mais rápida dos juros, hoje em 19% ao ano. A questão é saber se o Banco Central (BC) vai atender a esses apelos. Os analistas apostam numa Selic em 18% no fim deste ano e em 15% ou 16% no fim do ano que vem. Visto de hoje, o cenário inflacionário para 2006 parece bastante tranqüilo. Os analistas acreditam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá ficar próximo do centro da meta do ano que vem, de 4,5%. O dólar barato e os reajustes modestos dos preços administrados são os grandes aliados do BC no controle da inflação, diz Amorim, do WestLB, que prevê um IPCA de 4,6%. O mercado trabalha com um dólar entre R$ 2,20 a R$ 2,30 no fim deste ano e entre R$ 2,30 e R$ 2,40 no fim do ano que vem. Essa expectativa baseia-se na premissa de que a oferta de moeda americana para o país vai continuar abundante. Afinal, de um lado, a balança comercial deve garantir um saldo de US$ 35 bilhões ou mais e, de outro, os juros elevadíssimos atraem recursos de investidores interessados em aproveitar o diferencial entre as taxas externas e internas. Com a liquidez internacional, os juros brasileiros têm sido uma opção irresistível, como lembra Amorim. Mesmo com a queda das taxas brasileiras e a alta das taxas americanas nos próximos meses, o diferencial tende a continuar atraente. Os analistas também se sentem confortáveis em projetar um IPCA baixo para 2006 porque os Índices Gerais de Preços (IGPs) deste ano devem fechar na casa de 1%. Como boa parte dos preços administrados são corrigidos pelos IGPs, contratos de telefonia e energia elétrica deverão ter um aumento modesto em 2006, diz o economista-chefe para a América Latina do HSBC, Paulo Vieira da Cunha. "Nesse cenário, os preços livres terão mais espaço para subir." A valorização do câmbio foi longe demais para muitos analistas, mas ainda não será suficiente para comprometer o resultado das contas externas em 2006. Parte das empresas consegue compensar o dólar barato com aumentos de preços de seus produtos, enquanto outras continuam a exportar mesmo com prejuízo no curto prazo, para não perder mercados arduamente conquistados. E, com o mundo crescendo com força, a demanda por produtos brasileiros seguiu elevada. Para 2007 em diante, porém, o câmbio valorizado pode ter impacto mais negativo. Todo esse quadro relativamente róseo para 2006 baseia-se no pressuposto de que o cenário externo vai continuar favorável a mercados emergentes. De qualquer forma, a economia brasileira está mais preparada para enfrentar eventuais turbulências internacionais, devido à situação confortável das contas externas. No front fiscal, a situação é razoável. A relação dívida/PIB está controlada, devendo oscilar na casa de 50% a 52% até o fim do ano que vem, com base nas previsões de um superávit primário de 4,25% do PIB em 2006. Não é maravilhoso, mas parece improvável uma crise de confiança quanto à solvência do setor público, como a de 2002. Com as contas externas e fiscais em ordem, a disputa eleitoral do ano que vem não assusta os analistas. A expectativa dominante é de que, como os candidatos favoritos - o próprio presidente Lula e um dos conhecidos tucanos - não deverão propor mudanças radicais na política econômica, não haverá nada parecido com o cenário de incerteza vivido em 2002, quando o dólar chegou a R$ 4. Como diz Mendonça de Barros, um avanço importante dos últimos anos é que a variação do crescimento do PIB parece de fato ter diminuído, ou seja, o padrão de acelerações bruscas e freadas abruptas faria parte do passado. O problema é uma velocidade de cruzeiro ainda muito baixa.