Título: Superávit cai, mas ainda fará a diferença
Autor: Maria Helena Tachinardi
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2005, Valor Especial / CENÁRIOS PARA 2006, p. F3

Comércio Exterior Empresa que não tiver capital para bancar a redução das margens acabará exportando menos

O comércio exterior brasileiro ainda deverá navegar em águas relativamente tranqüilas em 2006, apesar do câmbio valorizado. É consenso no mercado que o saldo comercial cairá dos US$ 42 bilhões projetados para 2005 para algo entre US$ 33 bilhões e US$ 36 bilhões, número preferido pela MB Associados, que estima exportações de US$ 124 bilhões e importações de US$ 88 bilhões. A principal razão para esse resultado ainda expressivo na balança comercial, na avaliação da consultoria, é o efeito da demanda externa, embora menos aquecida do que em 2005, e de um crescimento da economia brasileira em ritmo relativamente modesto, entre 3% e 4%. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia mundial deve crescer 4,3% e o comércio mundial, 7%. Com isso, a previsão é que as exportações brasileiras aumentem 6%. Para a diretora da MB Associados, Monica Baer, o que surpreende é que a importação está fraca e tende a continuar assim. "Não estamos assistindo a um ciclo de grandes investimentos. Se isso estivesse acontecendo, veríamos um salto no patamar das importações de bens de capital e insumos. Sessenta por cento da pauta de importação é representada por insumos de produção. E nesse item a importação está mais baixa", diz. O Brasil vive o paradoxo de vender bastante no mercado internacional numa conjuntura de real valorizado. O país está vendendo muito porque o comércio global passa pelo ciclo de maior expansão dos últimos 30 anos, puxado principalmente pela demanda dos Estados Unidos e da China, que está se tornando um dos maiores fabricantes de produtos industrializados do mundo. "A geografia econômica multipolarizada favorece muito este movimento de aumento da demanda. Índia, Rússia e China, que há dez anos eram vistos como países exóticos, mas com potencial, hoje figuram entre os principais compradores e vendedores do mundo", observa Fabio Rua, gerente de relações internacionais da Câmara Americana de Comércio de São Paulo (Amcham). O desempenho do comércio exterior brasileiro é uma surpresa positiva: a maior parte dos analistas errou nas projeções do saldo para 2005. Neste final de ano, as projeções da MB Associados para 2006 levam em conta que "o câmbio mais apreciado tem contido o ritmo de crescimento do quantum (volume) de exportação, principalmente dos produtos manufaturados, e essa tendência se reforçará com uma demanda externa mais fraca do que em 2005. Do lado das importações, supõe-se que não haverá alterações do impacto da demanda interna e da taxa de câmbio sobre seu volume". Em 2006, quem não conseguir reajustar seus preços e não tiver capital para bancar a redução das margens em função do câmbio, acabará reduzindo a quantidade exportada. Isso já está acontecendo neste ano. Empresas de porte médio com menor fôlego financeiro, como as do setor moveleiro, têm exportado menos, diz Baer. De acordo com a economista, com a desaceleração mundial, a oportunidade de repassar preços acabou, e boa parte da indústria brasileira está perdendo mercado para países mais competitivos, como a China. Setores mais sensíveis ao câmbio, como calçados, têxteis e autopeças, estão sentindo os efeitos de uma taxa inferior a um patamar competitivo. A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) acredita que o setor deixará de exportar US$ 200 milhões em 2005 em função do câmbio, cujo nível mais adequado deveria ser de R$ 2,60. Os contratos atuais foram fechados ao câmbio de R$ 2,55 e os produtos estão sendo embarcados com a cotação do dólar a R$ 2,35. A diferença está sendo bancada pelas empresas. Em 2006, de acordo com a entidade, as exportações não deverão atingir o patamar de US$ 1,5 bilhão, esperado para 2005. As projeções apontam para um câmbio ainda valorizado em 2006: pelos cálculos do mercado, o dólar no final do ano estará cotado a R$ 2,41. A MB Associados acredita no valor de R$ 2,45 e uma taxa básica de juros (Selic) de 15% no encerramento do período. Pesquisa feita pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) com 841 empresas do setor indica que a desvalorização da moeda nacional seria a principal medida capaz de estimular fortemente as vendas externas. "A grande dúvida é mesmo a indústria automobilística", afirma Baer. "Causa surpresa que o setor esteja exportando tanto neste ano". Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), boa parte das vendas se deve a grandes crescimentos de mercado interno no México, Chile, Argentina e Venezuela. A perspectiva para 2005 é que o segmento exporte mais de US$ 15 bilhões, ante US$ 13,8 bilhões em 2004. Entretanto, a situação da indústria automobilística é preocupante, porque não há novos projetos de investimento para o Brasil (com o câmbio atual não há rentabilidade que atraia novos projetos de investimento) e modelos estão sendo transferidos para fábricas no Leste Europeu, destaca a economista. A indústria automobilística alega que tem exportado sem lucrar. Em termos setoriais, o saldo positivo em 2005 é puxado pelas exportações do agronegócio e de minerais e metais, favorecidos por preços internacionais elevados, nos últimos anos, o que se explica pela pressão da demanda chinesa e, em menor grau, pelo consumo norte-americano de produtos básicos e semi-elaborados. O superávit do agronegócio deve ficar em US$ 38 bilhões em 2005, considerando exportações de US$ 43 bilhões e importações de US$ 5 bilhões. Entretanto, projeções da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) indicam uma perda de dinamismo das exportações, embora o saldo estimado para 2006 deva se manter na faixa dos US$ 38 bilhões. O menor crescimento das vendas externas do agronegócio em 2005 se deve à queda dos preços internacionais da soja causada pela supersafra norte-americana. A oferta mundial ainda continuará aquecida e os preços da soja se manterão baixos, estima a CNA. Porém, a demanda externa pelas carnes brasileiras (de aves, suína e bovina) e os preços destas e do açúcar deverão continuar favoráveis, bem como o interesse pelo etanol produzido no Brasil em razão das elevadas cotações do petróleo. O prejuízo estimado pela MB Associados em função da febre aftosa no Mato Grosso do Sul não passaria de US$ 200 milhões em 2005. Em 2006, a perda nas exportações, no pior dos cenários, não atingiria US$ 1 bilhão.