Título: "Só o presidente pode responder"
Autor: Claudia Safatle, Paulo de Tarso Lyra, Maria Lucia
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2005, Política, p. A7

Tranqüilo, sem sofrer a pressão cerrada anunciada pela oposição, para que respondesse a denúncias de corrupção contra o governo, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, só se confessou incapaz de responder a uma pergunta, ao participar, ontem, de audiência na Câmara dos Deputados: se continuará no ministério de Luiz Inácio Lula da Silva. "Essa pergunta é a única que não posso responder; só o presidente Lula pode dar a resposta", disse, sorrindo. "Tive um longo diálogo com o presidente Lula, uma conversa sobre economia, questões que tenho enfrentado", revelou o ministro, que, segundo parlamentares governistas , teria dito ao presidente que sairá se não houver apoio explícito do Planalto à proposta de manter por longo tempo a meta oficial de superávit fiscal. "O que digo e repito é que estou fortemente vinculado ao projeto que faço sob o comando do presidente Lula", disse o ministro, que se defendeu, sem provocar polêmicas, das denúncias lembradas por poucos deputados, e repetiu várias vezes ter certeza do compromisso do presidente com a política de manutenção do esforço fiscal defendida pelo Ministério da Fazenda. "Vou colaborar com o presidente até o momento em que ele achar que estou ajudando", disse, despertando uma brincadeira do deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), presidente da Comissão de Fiscalização e Controle, onde ocorreu a audiência: "O senador Mercadante vai ter de esperar um pouco mais." O ministro da Fazenda repetiu várias vezes o que considera bons resultados da política econômica oficial, e tranqüilizou os políticos que vinham se queixando de queda nas transferências dos Fundos de Participação dos Municípios e dos Estados, com gráficos que mostravam uma redução dos recursos, em setembro, mas a recuperação, já no mês seguinte. Aparentando otimismo, chegou a prever um "fim de ano com atividade forte". Apesar da queda na atividade industrial e na venda dos chamados bens duráveis, como eletrodomésticos, não houve queda nos rendimentos da população e "os indicadores tendem a melhorar". Palocci não comentou os boatos de sua substituição, e, mais tarde, após vacilar um pouco, chegou a afirmar que não tratou "recentemente" de sua demissão com o presidente. Com a insistência do deputado Sílvio Torres (PSDB-SP), Palocci comentou a conversa que teve, na véspera, com o presidente Lula: "Dialoguei sobre várias questões de política econômica e as prioridades do governo; não fui discutir meu cargo, não vou contestar o que os jornais publicam; é seu direito", desconversou, evitando falar das notícias que localizavam, nessa conversa, a última ameaça de demissão do ministro. "Sempre que tem embate político no governo, se diz que esse vai sair, aquele é que vai, o outro reclamou, o outro se chateou", comentou Palocci, ao lhe perguntarem sobre seus atritos com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e os rumores de que Mercadante seria nomeado para o Ministério da Fazenda. "Tudo tem meias mentiras e meias verdades; meio exagero e meio consideração", completou enigmático. Palocci chegou a agradecer ao apoio anunciado a ele pelo deputado oposicionista Eduardo Paes (PSDB-RJ), nos conflitos internos do governo. "Nunca recusei apoio", argumentou. O ministro mostrou-se seguro, polido e risonho durante o depoimento, que durou cerca de nove horas. Os parlamentares concentraram a maior parte das intervenções em críticas conhecidas à política de juros, de câmbio e de controle fiscal comandada por Palocci. À vontade para responder a argumentos profundamente conhecidos pela equipe, Palocci chegou a citar, em tom de brincadeira, o deputado e ex-ministro Delfim Netto (PMDB-SP), que o havia abraçado calorosamente ao chegar na comissão: "Tudo que falo aprendi com o Delfim". "Não quero dizer que os instrumentos que uso não os únicos; mas são os melhores disponíveis", resumiu Palocci, que, chegou a repreender, sempre com cortesia, os parlamentares, acusados por ele de se preocuparem demasiadamentre com a macroeconomia e não darem atenção a importantes medidas microeconômicas. Também insistiu com os deputados para que aprovem a reforma tributária; e se recusou a destacar, para aprovação em separado, medidas do agrado dos municípios. Falou muitas vezes o nome de Lula, para garantir que não haverá "gastança" . Só no início do depoimento o ministro teve de responder às denúncias de irregularidades contra o governo ou pessoas ligadas a ele. O responsável pela convocação do ministro, deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ) cobrou a denúncia, da revista "Isto É", de que teria havido tráfico de influência, do ex-tesoureiro Delúbio Soares, no pagamento efetuado pelo Ministério da Fazenda, das dívidas do INSS com a rede bancária que presta serviços ao instituto. Palocci argumentou que quase 64% dos bancos beneficiados são estatais; que a dívida, resultante de contratos do governo anterior, foi renegociada e trocada por títulos públicos, e, na operação, reduziram-se os débitos em R$ 700 milhões. Outra denúncia, de favorecimento às empresas do publicitário Marcos Valério em contratos com a Visanet, empresa mista ligada ao Banco do Brasil, mereceu uma resposta curta de Palocci: a Visanet, ao avaliar a prestação de contas das empresas de publicidade, constatou R$ 9 milhões em serviços que não teriam sido prestados; as empresas de Marcos Valério negam e o Banco do Brasil deve apresentar em dezembro uma auditoria sobre o caso, comentou o ministro. Ele defendeu o Banco Central das acusações de conivência com as irregularidades nos bancos Rural e BMG, alegando ser impossível acompanhar cotidianamente todas as operações dos bancos. Em 2003, porém, a Coaf, órgão do ministério da Fazenda, identificou irregularidades e determinou providências, lembrou. O ponto de maior tensão provocado pela oposição nada teve a ver com Palocci: irritado com o sorriso do secretário do Tesouro, Joaquim Levy em reação a argumento levantados pelos oposicionistas, o deputado Rodrigo Maia (PDT-RJ) acusou o secretário de desrespeito e passou a criticá-lo duramente. Teve as críticas interrompidas pela intervenção de Geddel, e fez Palocci, mais uma vez, mostrar diplomacia. O ministro pediu desculpas pelo auxiliar.