Título: Superávit de 4,6% abre chance para Palocci ficar
Autor: Claudia Safatle, Paulo de Tarso Lyra, Maria Lucia
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2005, Política, p. A7

Crise Opção de Lula é por um meio termo entre o que deseja o ministro da Fazenda e o que advoga Dilma

Abriu-se, ontem, uma chance de o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, permanecer no cargo, estancando a crise que há duas semanas corrói o ministro e suas relações com o Palácio do Planalto e o Congresso. A distensão teria começado a surgir a partir da hipótese, considerada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de tomar uma decisão salomônica em relação à polêmica da política fiscal. Nem 5,1% do Produto Interno Bruto (PIB), nem 4,25% do PIB. O superávit primário aceito pelo presidente seria algo entre 4,6% a 4,7% do PIB. Um meio termo entre o que desejaria Palocci e toda a equipe econômica - para manter estável a relação dívida líquida/PIB este ano em relação ao ano passado - e a ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que expressa a preocupação de um vasto grupo do PT com os prejuízos do arrocho fiscal para o projeto da reeleição. Não é o que Palocci quer. Esse teria sido o resultado de uma longa reunião no Palácio do Planalto na noite de segunda feira entre Lula e Palocci e Henrique Meirelles, presidente do Banco Central. Palocci chegou a esse encontro disposto a deixar o governo. Na conversa entre os três, toda a discussão foi sobre a importância de um superávit primário mais robusto para os próximos anos, como instrumento para reduzir os juros e aumentar a taxa de crescimento da economia já à partir de 2006. Para este ano, o governo conta com um crescimento modesto, mais próximo de 3%. Tanto Palocci quanto Meirelles defenderam um superávit na casa dos 5% do PIB como forma de garantir, em 2006, melhores resultados na economia, necessários para embalar a campanha pela reeleição. Lula, segundo interlocutores que conversaram ontem com o presidente, estaria tendendo a arbitrar uma nova meta - não necessariamente os 5% que Palocci quer - e anunciá-la. Mas isso não é certo até porque, como disse esse interlocutor, " o que está certo pela manhã não necessariamente se confirma à noite", dando a dimensão da volatilidade no governo. Ontem à tarde, enquanto Palocci falava na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, o presidente Lula afirmava em Luziânia, cidade próxima à Brasília, que Palocci está "mais firme do que nunca" no cargo. A coordenação política do governo acompanhou com lupa o desempenho do ministro da Fazenda na Câmara. O ministro da coordenação política, Jaques Wagner, ligou por diversas vezes, durante o depoimento para o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal. Wagner acompanhou Palocci de manhã ao Congresso e garantiu que ele permaneceria no governo. No fim do dia, o saldo, na visão do Planalto, era mais do que positivo. "Ele se saiu até melhor do que o depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado", avaliou uma fonte qualificada do governo. Ontem pela manhã, o governador de Minas Gerais, Aécio neves, esteve com Lula: "Eu senti o presidente muito firme em relação à manutenção do ministro Palocci. Ele reiterou várias vezes as razões porque acha isso importante: nós estamos num processo de consolidação do crescimento e a presença do ministro é uma garantia para isso". No encontro, Lula prometeu a Aécio a liberação de R$ 900 milhões para os Estados exportadores, relativos à compensação da Lei Kandir. Na Câmara, onde acompanhava o depoimento do ministro da Fazenda, o secretário Murilo Portugal, indagado sobre esse dinheiro, foi lacônico: "Há essa possibilidade, mas ainda não recebi nenhuma ordem". Palocci deixou claro, na conversa com o presidente, que desejava sair e que não pretende continuar exposto à "fritura" pública. "Ele está muito machucado, muito magoado. Não quer virar um novo José Dirceu, que tinha poder, foi perdendo espaço, perdeu o cargo e agora luta para se manter vivo politicamente", relatou um auxiliar do presidente Lula, também ligado a Palocci. A mágoa do ministro da Fazenda não é exatamente com o embate sobre a política econômica travado com Dilma Rousseff. Ela advém da desconfiança do ministro de que Dilma não teria autonomia suficiente para expor publicamente suas críticas ao rigor fiscal e monetário. Ela estaria falando, portanto, estimulada pelo presidente da República. Sinal de que Palocci já não dispõe do apoio incondicional de Lula. E é fato que a relação dos dois, hoje, não é mais a mesma dos tempos em que o ministro tinha o hábito de, diariamente, se deslocar às 6h da manhã para o Palácio da Alvorada para caminhar com Lula nos jardins da residência oficial. Uma proximidade que permitiu a Palocci convencer o presidente da necessidade de se adotar uma política econômica ortodoxa, destinada a conquistar a confiança dos agentes econômicos e, assim, colocar o país na rota do crescimento sustentado. Na noite de segunda-feira, enquanto Palocci conversava com Lula, o staff da equipe econômica reunia-se no Ministério da Fazenda para tentar apagar os incêndios das sucessivas convocações da Câmara para ouvir o comandante da economia. O ministro está cansado: "Virei o centro das atenções. Administrar crise de partido, de governo, da economia, de Ribeirão Preto, tudo publicamente, é demais". Na tarde de segunda-feira, a crise atingira o auge, Palocci, visivelmente irritado e abatido, tinha tomado a decisão de deixar o governo e sequer queria aparecer em público. Ele chegou atrasado na solenidade após Lula ter-lhe pressionado a comparecer. Ninguém, no entanto, descarta que Palocci possa vir a deixar o ministério. A oposição, por exemplo, considera a saída de Palocci inevitável, devido ao enfraquecimento político do ministro. Tanto que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso entrou em campo ontem e pediu a dirigentes do PSDB e PFL que pisassem no freio. FHC alertou para o risco de instabilidade econômica num ano de disputa eleitoral. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), recebeu um telefonema na noite de terça-feira do Palácio. Cotado para assumir a Fazenda se Palocci sair, o recado dado a Mercadante foi curto: "A conversa foi boa". O mesmo recado foi transmitido a outros políticos e empresários. Lula mandou dizer que Palocci fica. (Colaboraram Cristiano Romero e Raymundo Costa, de Brasília).