Título: Novos mecanismos para financiar a infra-estrutura
Autor: Marcos Barbosa Pinto e Maurício Ribeiro Portugal
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2005, Opinião, p. A10

MP do Bem prevê cessão fiduciária de recebíveis e step-in rights

O Presidente da República sancionou nesta segunda-feira a Lei 11.196/2005, que converteu em lei a chamada MP do Bem. A versão original da MP sofreu alterações positivas no Senado, uma das quais possui especial relevância para o setor de infra-estrutura. Trata-se da instituição de dois novos mecanismos de garantia, sugeridos pelo Ministério do Planejamento e pelo BNDES, que tornam mais seguros os financiamentos concedidos às concessionárias de serviço público: a cessão fiduciária de recebíveis e os step-in rights. A adequada prestação de certos serviços públicos, como geração de energia elétrica e transporte rodoviário e ferroviário, exige investimentos vultuosos, de longo prazo de maturação. Para realizar esses investimentos, as concessionárias precisam obter financiamentos igualmente vultuosos junto ao mercado financeiro, com prazos de pagamento compatíveis com o projeto. Todavia, as concessionárias têm dificuldades para ofertar as garantias necessárias para esses financiamentos. Muitos dos investimentos por elas realizados são feitos em bens públicos, como rodovias e ferrovias, que pertencem ao Estado e que, portanto, não podem ser dados em garantia. Além disso, mesmo quando os investimentos são feitos em bens privados, a lei determina que os mesmo são reversíveis, devendo passar à propriedade do Estado ao final da concessão. Assim, embora esses bens possam ser dados em garantia, eles não oferecem a segurança necessária aos financiadores. Além disso, dado o porte e o risco envolvido em projetos de infra-estrutura, os acionistas relutam em oferecer garantias pessoais, como fianças e avais, aos empréstimos oferecidos pelos bancos. Para viabilizar os investimentos, portanto, o financiamento precisa ser feito sob a modalidade de project finance, na qual os acionistas oferecem garantias limitadas e os financiadores passam a ter direitos diretamente sobre o fluxo de caixa do projeto. A MP do Bem mitiga os problemas acima e torna o project finance mais seguro para os bancos financiadores. A MP criou um novo mecanismo de garantia, a cessão fiduciária de créditos, que não incide sobre os bens tangíveis da concessionária, mas sobre sua receita. Este novo direito real de garantia está disciplinado em detalhe no artigo 120 da nova lei. De acordo com esse artigo, as concessionárias de serviço público são autorizadas a oferecer parcela de sua receita operacional futura como garantia para financiamentos de longo prazo. Para tanto, a concessionária deve ceder esses créditos ao financiador, em caráter fiduciário. Paralelamente, uma outra instituição financeira é indicada como trustee das partes, ficando encarregada pela cobrança dos créditos e transferência dos recursos para os financiadores. Esse mecanismo já vinha sendo utilizado pelos bancos brasileiros, mas persistiam dúvidas sobre sua eficácia jurídica. A MP do Bem suprimiu essas dúvidas e aperfeiçoou o instituto, fazendo dele uma garantia bastante segura para o financiamento de projetos de infra-estrutura de grande porte. Isso permitirá aos bancos ampliar o uso do project finance, devido à sua maior segurança, e aumentar a oferta de recursos para o setor.

Medidas poderão reduzir os custos dos projetos e beneficiar os consumidores com tarifas mais baixas

O artigo 119 da nova lei também estendeu para todas as concessões de serviço público um mecanismo de garantia criado pela Lei das PPPs: os step-in rights. De acordo com a lei, caso a concessionária deixe de cumprir seus contratos de financiamento, os bancos financiadores podem assumir o seu controle, de modo a sanear suas finanças e garantir a continuidade da prestação dos serviços. Atualmente, quando uma concessionária de serviço público encontra-se em má situação financeira, os bancos são obrigados a acelerar o vencimento de seus créditos e, em casos extremos, pedir a falência da concessionária. Esses eventos prejudicam a prestação dos serviços e podem levar à caducidade da concessão. O resultado desse processo é ruim para todos: os consumidores sofrem com a perda de qualidade dos serviços ou sua interrupção; os bancos reduzem suas chances de receber à medida que a situação da empresa se deteriora; e, finalmente, o Estado se vê obrigado a assumir a prestação dos serviços, o que implica custos adicionais para os cofres públicos. Os step-in rights são um mecanismo preventivo, que possibilita aos financiadores intervirem na concessionária antes que sua situação financeira se deteriore completamente. Os financiadores assumem o controle para sanear suas finanças, no intuito de recuperar seus créditos. Atuam em interesse próprio, mas acabam por proteger também os interesses do consumidor e do Estado, que seriam igualmente prejudicados pela falência. Em conjunto, esses novos mecanismos - cessão fiduciária de recebíveis e step-in rights - tornam possível uma verdadeira revolução no financiamento de projetos de infra-estrutura no Brasil. Através deles, os bancos poderão aumentar sua oferta de recursos, o que tende a reduzir os custos dos projetos e beneficiar os consumidores com menores tarifas. Mais ainda, os novos mecanismos devem tornar o project finance mais freqüente no Brasil, fomentando assim investimentos em um setor crítico para o desenvolvimento nacional.