Título: Custo e ausência da usina de Estreito põem leilão em xeque
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2005, Especial, p. A12

Otimista quanto ao sucesso do primeiro leilão de energia "nova", marcado para o dia 16 de dezembro, o governo recebeu ontem uma notícia inesperada: maior das usinas licitadas entre 1997 e 2002, com 1.087 megawatts de potência, a hidrelétrica de Estreito anunciou ontem que está fora do pregão. A ausência de Estreito dificulta o objetivo do governo de garantir equilíbrio entre oferta e demanda no leilão, que tenta afastar o risco de problemas no abastecimento de energia a partir de 2009 ou 2010. O diretor-presidente do Consórcio Estreito, Victor Paranhos, afirmou que a usina só disputaria contratos no pregão de dezembro caso fosse concedida pelo Ibama, nas próximas semanas, a licença ambiental de instalação, que autoriza o início das obras. A construção da hidrelétrica levará 39 meses. O empreendimento já obteve o licenciamento prévio, que atesta a sua viabilidade ambiental, mas precisa cumprir 44 condições impostas pelo órgão governamental para partir ao passo seguinte. "Não existe a mínima possibilidade de a licença ser dada (até a data do leilão). Sem ela, poderíamos prometer um produto sem ter certeza de que vamos entregá-lo", justificou Paranhos. O Ibama confirmou ao Valor que "não há tempo hábil" para conceder o licenciamento no prazo pretendido pelos investidores para permitir que a usina entre no leilão. Segundo o órgão ambiental, duas novas vistorias são necessárias para conferir o cumprimento das exigências. Paranhos afirmou que o consórcio de Estreito está investindo R$ 300 milhões, quase 30% do custo total do projeto, para atenuar o impacto sócio-ambiental da hidrelétrica. O executivo espera que um esforço conjunto entre os diferentes órgãos do governo e os investidores viabilize a concessão do licenciamento no início de 2006, o que permitiria a entrada em um novo leilão no ano que vem. Se as obras começarem em abril, a usina poderia funcionar a plena carga em meados de 2010. Estreito é a maior das chamadas usinas "botox", jargão dos técnicos do setor elétrico que designa empreendimentos que estão em construção ou com seus projetos em curso, mas ainda não venderam a energia que vão gerar no futuro. O governo conta com elas para evitar uma crise de energia. A saída de Estreito não é a única má notícia para aqueles que esperam o sucesso do leilão de dezembro. Na semana passada, três empresas (CPFL, Cemig e Energias do Brasil) já haviam anunciado que poderiam ficar fora da disputa pelas novas usinas a serem licitadas. Elas dizem que o preço máximo fixando a concessão das hidrelétricas é muito baixo. Os interessados só podem disputar as concessões com preços abaixo do teto de R$ 116 por megawatt-hora (MWh). Estudo apresentado ontem pelo consultor Mário Veiga, em evento da Câmara Brasileira dos Investidores em Energia Elétrica (CBIEE), mostra que as seis usinas que já obtiveram licenciamento para serem oferecidas à iniciativa privada não se viabilizam com o teto de R$ 116. O estudo estimou qual seria o valor necessário de venda da energia gerada para assegurar uma taxa interna de retorno de 15%, índice tido como padrão no setor. Das seis usinas licenciadas, apenas duas garantem o retorno do investimento com preços próximos ao limite definido pela Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), com tarifas entre R$ 117 e R$ 118 por MWh. As outras quatro se situam entre R$ 125 e R$ 160 por MWh. Para o professor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, a ausência de Estreito e a baixa viabilidade financeira desses investimentos indica um leilão com pouca presença privada. "Será um leilão com forte presença estatal", prevê. Segundo ele, a Eletrobrás precisará atuar para formar consórcios, a Petrobras garantirá a disponibilidade das térmicas e o pouco investimento privado será financiado pelo BNDES. O presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, que soube da desistência de Estreito durante o evento, mantém o otimismo e acredita que as novas usinas poderão ficar nas mãos do setor privado. Ele questiona o estudo - "porque ninguém sabe qual é ao certo o investimento inicial". Para ele, os investidores dizem que os custos são elevados numa tentativa de "aumentar o preço dos seus produtos, o que penaliza os consumidores". Ele admite, porém, que "uma parte" das usinas que aguardam licença ambiental não poderá ser licitada. Das 17 projetadas, 13 entraram no edital e têm até 6 de dezembro para obter o licenciamento. Dessas, apenas seis foram liberadas: menos de 800 MW. Ontem, a Aneel informou que foram credenciadas 105 das 149 empresas que se mostraram interessadas em participar do leilão de energia nova.