Título: Mentiras nucleares do Irã
Autor: Kenneth R. Timmerman
Fonte: Valor Econômico, 24/11/2005, Opinião, p. A15

País deve ser julgado pelo Conselho de Segurança da ONU por descumprir Carta da AIEA

Mohammad El-Baradei, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), está pressionando a diretoria da agência a empreender um derradeiro esforço visando encontrar uma solução diplomática para as ambições nucleares iranianas, antes de levar o caso ao Conselho de Segurança da ONU para decidir sobre possíveis sanções. A decisão de submeter o Irã ao Conselho de Segurança poderá ser tomada ainda hoje, quando o conselho diretor da AIEA se reúne para discutir "novas informações" descobertas por inspetores no país. Graças aos inspetores da AIEA, temos agora um quadro razoavelmente detalhado do arquipélago nuclear iraniano - ao menos das instalações que o governo iraniano foi obrigado a abrir o acesso. Sabemos que o Irã descobriu, extraiu e beneficiou urânio natural, o componente básico para um programa de enriquecimento de urânio, sem informar a AIEA. Sabemos que o Irã construiu uma unidade para conversão de urânio em Isfahan, para converter o pó de urânio concentrado (yellowcake) no gás hexafluoreto de urânio (UF6), matéria-prima para o enriquecimento do urânio, sem as necessárias notificações prévias à IAEA. Também sabemos que o Irã construiu uma usina subterrânea de enriquecimento de urânio em Natanz, blindando-a contra ataques de mísseis, e construiu edifícios "fantasmas" na superfície para ocultar as instalações de vigilância aeroespacial. As autoridades concordaram em abrir essas instalações à inspeção da AIEA somente depois que sua existência foi confirmada por imagens obtidas por satélites comerciais, e os iranianos parecem ter "limpado" os salões subterrâneos da presença de quaisquer equipamentos lá instalados antes da chegada dos inspetores. Ao entrar em plena operação, essas instalações darão ao Irã um domínio de todo o ciclo de produção de combustível nuclear. Durante 18 anos, o governo do Irã ocultou essas atividades da AIEA, em evidente desrespeito a seu acordo de salvaguardas. Unicamente por essa razão, o conselho diretor da AIEA deve denunciar o Irã ao Conselho de Segurança para aprofundar suas ações, conforme estipulado no estatuto da agência. Países não-nucleares signatários da Carta da AIEA, como o Irã, comprometem-se a abandonar todos os esforços para desenvolver armas nucleares. Em troca, obtêm acesso a tecnologias nucleares. Mas esse compromisso exige cooperação total e transparente com a AIEA. Em vez disso, o Irã vem praticando um jogo de rato e gato. "Com o caso do Irã, nos demos conta de que o domínio do ciclo de produção de combustível torna um país praticamente dono de armas nucleares", disse um alto assessor de El-Baradei. "Isso foi um brado de alerta para todos nós." Mas um alerta que permite ao conselho diretor da AIEA cruzar os braços é inútil. Durante dois anos e meio, a União Européia (UE) fez todo tipo de esforços para fazer com que o Irã cooperasse plenamente com a AIEA e revelasse toda a verdade sobre suas atividades nucleares - mas nada conseguiu. Quando a AIEA anunciou que desejava verificar uma suspeita de operação de enriquecimento de urânio no complexo dos Guardas Revolucionários em Lavizan-Shian, o governo iraniano procrastinou durante meses, até que pudesse apagar quaisquer pistas no local. Quando foi solicitada uma visita a um laboratório suspeito em uma fábrica da Defesa em Parchin, os iranianos comportaram-se da mesma maneira. Quando finalmente admitiram a visita por uma pequena equipe, limitaram a movimentação dos inspetores, desrespeitando os compromissos assumidos pelo Irã.

Após 18 anos de dissimulação, Irã pode já estar enriquecendo secretamente o urânio e ter material físsil suficiente para produzir 20 bombas

El-Baradei declarou que a AIEA "não encontrou quaisquer evidências" de um programa de desenvolvimento de armamentos no Irã - uma afirmação que, a partir de então, os líderes iranianos sempre citam como prova de suas intenções pacíficas. Mas a AIEA não tem autoridade para decidir se um país tem, ou não, um programa de armas nucleares. Isso cabe ao Conselho de Segurança da ONU. O mandato da AIEA é determinar se um país desobedeceu seu acordo de salvaguardas, e El-Baradei deixou muito claro ser esse o caso do Irã. Compreender as intenções dos líderes iranianos não é tão difícil ou tão ambíguo quanto acreditam alguns. Dezoito anos de dissimulação é um histórico substancial. O mesmo se aplica às próprias declarações de líderes iranianos. Por exemplo, em 1986, o então presidente aiatolá Ali Khamenei deu uma palestra na sede da Organização de Energia Atômica do Irã. "Nosso país sempre foi ameaçado pelo exterior", disse ele. "O mínimo que podemos fazer para enfrentar esse perigo é fazer saber a nossos inimigos que somos capazes de nos defender." Em 1988, Ali Akbar Hashemi-Rafsanjani - o suposto candidato "moderado", na recente eleição presidencial no Irã - explicitou o que isso significa em discurso ao Corpo da Guarda Revolucionária. "Deveríamos nos capacitar plenamente tanto no uso ofensivo como defensivo de armas químicas, bacteriológicas e radiológicas", exortando seus ouvintes a "aproveitar as oportunidades e cumprir essa tarefa". Por ocasião de uma manifestação pública na Universidade de Teerã no Dia de Jerusalém, em dezembro de 2001, ele pronunciou uma das mais sinistras ameaças do regime. "O uso de uma bomba atômica contra Israel destruiria Israel completamente, ao passo que [o mesmo] contra o mundo do Islã apenas causaria danos." A partir de então, o regime iraniano só fez crescer em ousadia. O ministro de Relações Exteriores, Kamal Kharrazi, declarou em junho de 2004 que o Irã "não aceitará quaisquer novas obrigações" e precisa "ser reconhecido pela comunidade internacional como um membro do clube nuclear". Nessa mesma linha, em março de 2005, Rafsanjani reiterou a recusa iraniana a desmantelar suas instalações capazes de processar o ciclo de produção de combustível nuclear, conforme exigido pela UE e pela AIEA, insistindo que "não podemos parar nosso programa nuclear e não o interromperemos". Nessas circunstâncias, o risco decorrente de nada fazer supera em muito os custos de levar o caso do Irã ao Conselho de Segurança. Na realidade, o Irã pode já estar enriquecendo secretamente o urânio. Se usaram as centrífugas compradas de A. Q. Khan, o empresário nuclear paquistanês, os iranianos podem ter material físsil suficiente para produzir 20 bombas. Como o Irã continua a abrigar importantes líderes da al-Qaeda, isso cria uma ameaça ainda mais grave: a de que terroristas se apropriem de armas nucleares. Os riscos em permitir que o Irã possua armas nucleares deveria ser óbvio. Evidente mesmo para El-Baradei.