Título: Comunicação, credibilidade e política monetária andam juntas
Autor: Arthur Carvalho Filho
Fonte: Valor Econômico, 24/11/2005, EU &, p. D2

A partir de janeiro, alguns analistas de Wall Street ficarão desempregados. Após 18 anos à frente do Fed - Banco Central Americano - Alan Greenspan irá se aposentar, deixando órfãos os especialistas em decifrar suas curtas, enigmáticas e sempre marcantes mensagens. Em seu lugar, entrará o renomado economista Ben Bernanke, um especialista no sistema de metas de inflação, em que um dos tópicos mais discutidos é a credibilidade e sua influência sobre a eficiência da política monetária. Juntamente com outros três economistas, Bernanke escreveu um livro sobre o assunto, fazendo uma análise dos sucessos deste sistema em diferentes países ("Inflation Targeting: Lessons from the International Experience"). Política Monetária atualmente consiste em muito mais do que mudanças explícitas de taxas de juros, conhecidas como operações de mercado aberto ("open-market"). Hoje, as mensagens das autoridades monetárias enviadas via discursos, atas e declarações podem ser tão, senão mais, eficientes quanto as mudanças nas taxas de juros. Por isso, são chamadas de operações de "open-mouth". No entanto, falar não é o bastante. Os agentes de mercado devem acreditar que o que está sendo dito será transformado em ações efetivas no futuro. Ou seja, o membro do Banco Central precisa ter credibilidade para que estas operações de "open-mouth" sejam eficazes. Mas como se obtém essa credibilidade? O caminho mais óbvio é por meio de demonstrações de comprometimento com o combate à inflação. Por exemplo, nunca aceitar um pouco mais de inflação para obter um pouco mais de crescimento. Uma boa prova disso foi a atual diretoria do Banco Central do Brasil, que mostrou um compromisso com o cumprimento da meta para 2005, quando poucos acreditavam que esta poderia ser cumprida. Segundo Bernanke em seu livro: "A credibilidade do Banco Central depende da objetividade e de sua comunicação plausível, tão quanto de seus resultados ao acertar as metas". Vale ressaltar que durante todo o período o BC deixava claro, por meio de seus meios de comunicação, que ainda estava perseguindo a meta de inflação e como estava vendo os indicadores antecedentes de atividade e preços. Hoje, não há como negar que esta diretoria tem bastante credibilidade no combate à inflação. Outra forma de dar mais credibilidade a um Banco Central é dar a ele autonomia formal. Com isso, a diretoria pode ter tranqüilidade para executar a política monetária que seja melhor para o país sem ter de atender aos interesses político-eleitorais do presidente do momento. Por fim, é importante manter em mente que a busca por credibilidade é um "jogo" constante, onde a cada rodada os agentes devem reforçar o seu comprometimento com o sistema de metas de inflação. Neste tipo de "jogo" - bastante estudado pelos microeconomistas -, se um dos agentes desviar do acordo (combate à inflação), o outro o punirá com perda de credibilidade por vários períodos. Ou seja, se um Banco Central escolher não cumprir a meta em um determinado ano, sem uma justificativa plausível e clara, os agentes de mercado o punirão deixando de acreditar em seu comprometimento. Assim sendo, a tarefa de cumprir a meta se torna muito mais difícil porque as operações de "open-mouth" perdem eficiência, e as expectativas dos agentes, em função da falta de confiança, demoram mais a convergir para a meta de inflação. Atualmente, no mercado americano, aos primeiros sinais de pressão inflacionária os agentes já irão assumir uma política monetária mais restritiva. Assim como sabem que, em um momento de crise, Greenspan iria relaxar a política monetária e injetar liquidez no sistema. Vale ressaltar que grande parte da credibilidade atual do Fed vem das análises acertadas e ações rápidas de Greenspan. Já quando Bernanke fez parte da diretoria do Federal Reserve em 2002, uma de suas primeiras ações foi trazer a divulgação da ata da reunião do Fed para uma data mais próxima da realização da reunião, tornando a ata, assim, mais relevante. Portanto, vê-se que Bernanke tem um perfil um pouco diferente de Greenspan, como ficou claro também na citação mencionada acima. O grande desafio de Bernanke, como novo chairman do Fed, será conseguir a credibilidade que Alan Greenspan conquistou em 18 anos de muitos acertos. No entanto, pelo perfil de Bernanke, devemos ver o uso de uma comunicação mais eficiente, e quem sabe um sistema de metas de inflação explícito nos EUA para conquistar esta credibilidade. Só nos resta esperar para ver se ele será tão bom administrador da liquidez mundial, como foi professor de macroeconomia.