Título: Há um "apagão" de projetos públicos
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2005, Brasil, p. A2

É bem mais complicada a discussão sobre investimentos públicos no Brasil. A divisão e os atritos entre o que se convencionou chamar de ministros "gastadores" e a área econômica, encarregada de cumprir rígidas metas fiscais, envolve problemas que vão muito além da falta de recursos. Começa pela falta de bons projetos. Prova disso é que vão sobrar recursos dos Projetos-Piloto de Investimentos (PPIs) este ano. No Ministério do Planejamento, a estimativa é que se tudo correr muito bem, ainda restarão cerca de R$ 150 milhões sem ter onde gastar. Em setembro de 2004 o governo negociou com o Fundo Monetário Internacional (FMI) uma lista de obras que seriam tocadas pelo setor público, cujos recursos não seriam contabilizados como despesas primárias no cálculo das contas públicas. E tais recursos não poderiam ser contingenciados pelo governo, tamanha a prioridade e excelência das obras. Para este ano são um total de R$ 3,3 bilhões sendo que desses, R$ 2,6 bilhões destinam-se a investimentos em transportes. Depois de uma correria no meio do ano para remanejar cerca de R$ 1,3 bilhões que não tinham como ser aplicados nos projetos pré-escolhidos, a expectativa é de que a sobra agora seja bem menor. Entraram na lista os metrôs de Fortaleza e Salvador e a duplicação das BR-050 (trecho Uberlândia-Uberaba) e 060 (trecho Goiânia- Brasília). "Há um 'apagão' de projetos", sintetiza o secretário de Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, Ariel Pares. Ao contrário dos tempos das grandes obras, durante a ditadura militar, hoje não há uma prateleira de boas idéias e boas propostas de investimentos públicos. O Departamento Nacional de Infra-Estrutura Terrestre, sucessor do antigo DNER, tinha na gaveta alguns projetos "caducos". Como a média de investimentos em transportes de 1995 a 2004 era de R$ 2,1 bilhões, quando o governo conseguiu mais do que duplicar a verba e foi escolher projetos bem montados operacional e financeiramente para constar do PPI, esbarrou na inexistência de planejamento e propostas atualizadas. "Havia projeto para reestruturar uma estrada com base num fluxo de 5 mil carros/dia e aquela rodovia já estava com fluxo de 10 mil carros/dia", cita Pares. O mesmo pode ser observado na área de saneamento básico. O próprio fluxo migratório, o rápido surgimento de assentamentos urbanos ao longo dos anos, foi alterando o mapa das obras concebidas em projetos antigos. O colapso é tão sério que o Planejamento colocou cerca de R$ 200 milhões no orçamento de 2006 só para investimentos em estudos e projetos, além de pretender fazer uma profunda reestruturação do Denit, abrindo concursos para o próximo ano e criando um quadro de carreira. Na proposta de orçamento para o ano que vem, não há um novo projeto de investimento. Foi criada a Comissão de Monitoramento e Avaliação, que analisa todos os aspectos da relação custo-benefício das propostas antes de elas serem acolhidas no orçamento, e ao fazer isso, cerca de 36 projetos em várias áreas não passaram pelo crivo da comissão e foram devolvidos. As dificuldades não param aí. A construção das eclusas de Tucuruí constava do PPI este ano com alocação de cerca de R$ 200 milhões. O contrato do governo com as empreiteiras venceu, e o Tribunal de Contas da União orienta que nesses casos as partes devem entrar em entendimento, mas as empresas fizeram propostas de reajustes que o governo considerou improcedentes. A obra parou e não há previsão de recursos para Tucuruí no PPI de 2006.

Antes de sair gastando, é útil saber em quê

Há constrangimentos de natureza diversa. É o caso do Arco Rodoviário Metropolitano do Rio de Janeiro. Neste projeto, de R$ 250 milhões, falta a rodovia ser federalizada e não foi concluído o estudo de impacto ambiental. E assim vai. O fato é que o último relatório de situação dos PPIs, datado de outubro, diz que o índice de empenhos emitidos até final de setembro correspondia a 61% da dotação orçamentária, mas a execução financeira - considerada como liquidação e pagamento da obra - representam, respectivamente, apenas 16% e 13% da dotação. No Denit, a disposição é de empenhar o que der para ser empenhado e se o serviço não for efetuado, o empenho vira restos a pagar em 2006. O que se vê é que a discussão e os desentendimentos no governo sobre o tamanho do ajuste fiscal realizado até agora, e o afã de gastar, esbarra em questões mais complexas e estruturais. O Estado brasileira foi desmantelado nos últimos 10 a 15 anos. No governo Collor, uma reforma administrativa varreu vários órgãos da administração pública. O governo Fernando Henrique Cardoso cuidou da privatização das empresas estatais e da criação das agências reguladoras, promovendo, por exemplo, a liquidação da Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (Geipot), que cuidava de olhar, no longo prazo, o sistema de transportes no país. Nos acervos do Geipot pode-se encontrar estudos dos anos 80 que já previam os núcleos de plantio de soja (e a necessidade de escoamento) que só passaram a existir no início dos anos 90. Ao substituir todo o organograma existente pelo Denit, não cuidou-se de encorpar a agência, que tem, atualmente, cinco ou seis novos engenheiros encarregados do planejamento rodoviário em todo o Brasil. No governo Lula, agora se tenta remontar algumas áreas, mas a expectativa de técnicos em planejamento e execução é de que só lá por 2007 é que o Estado estará apto a tocar investimentos públicos de forma mais sistemática, na área de infra-estrutura. À parte essa situação crítica, há, principalmente por parte dos gestores da política fiscal, uma perplexidade com a falta de prioridades de investimentos. Existem, hoje, proposta de construção de seis caminhos distintos de escoamento de grãos, como lembra uma fonte qualificada da área econômica do governo: Tucuruí, a ferrovia Norte-Sul, a Transnordestina, Madeira-Santarém, Bahia/Aratu e saída pelo Pacífico. Qual é exatamente a prioridade, não se sabe, mas cada obra tem sua justificativa provavelmente meritória e um padrinho político que a defende como absolutamente crucial. E já se começa a falar na montagem de um grupo de trabalho, no governo, para escolher as 33 obras indispensáveis no caso de uma eventual reeleição de Lula.