Título: Gasto maior ou superávit extra, o dilema de 2006
Autor: Raquel Salgado e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2005, Brasil, p. A3

O governo Lula enfrenta um dilema em relação à política fiscal em 2006, ano de eleições presidenciais: deve estimular a economia por meio de mais gastos públicos ou promover um superávit primário maior que a meta oficial de 4,25% do PIB e, com isso, abrir espaço para o Banco Central (BC) reduzir os juros mais rapidamente? Boa parte dos economistas avalia que, pelo menos em tese, a segunda opção favorece um crescimento mais forte da economia, porque a política monetária pode ser menos rigorosa. Um superávit primário de 4,6% a 4,7% do PIB tenderia a permitir uma queda mais agressiva da Selic do que se a economia para pagar juros for de 4,25% do PIB, reconhece o economista Caio Prates, do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele diz, porém, que o mais importante é a mudança na qualidade do ajuste fiscal. O ideal é cortar gastos, aumentar investimentos e reduzir a carga tributária, o oposto do que vem sendo feito nos últimos anos. Essa alteração na composição do ajuste seria mais positiva para a economia, avalia ele. Para o economista-chefe da MCM Consultores Associados, Celso Toledo, o país tenderia a crescer mais em 2006 com um superávit primário mais elevado do que 4,25% do PIB. "O mix de política econômica seria mais favorável", afirma ele. Segundo Toledo, a queda dos juros propiciada pelo esforço fiscal mais forte tenderia a compensar o impacto contracionista da política fiscal. A questão é que não há garantias de que um superávit primário maior vai implicar automaticamente em reduções mais fortes dos juros. Prates lembra que, em 2004, o governo oficializou o aumento da meta de 4,25% para 4,5% do PIB, mas isso não impediu que o BC elevasse os juros de 16% para 19,75% ao ano entre setembro e maio deste ano, ainda que a superávit efetivo tenha sido ainda maior, de 4,6% do PIB. Além disso, desde o começo do ano o governo mantém saldo fiscal próximo a 5% do PIB. É possível argumentar que talvez os juros tivessem subido ainda mais sem esse esforço fiscal extra, mas o episódio de 2004 talvez explique a resistência do presidente Lula em se comprometer com uma meta maior. Se optar por cumprir a meta de 4,25% do PIB, haverá de fato um impulso fiscal significativo para a atividade em 2006, uma vez que o superávit acumulado em 12 meses até setembro é de 5,1% do PIB e deve terminar o ano entre 4,6% e 4,8% do PIB, nas contas de muitos analistas. Assim, os 4,25% do PIB abririam espaço para aumento expressivo de despesas. O problema, segundo Toledo, é que os gastos do governo costumam se destinar em grande parte para despesas de custeio, que tem menos impacto sobre o crescimento. Se houvesse garantia de que os recursos seriam usados para investimentos e não para custeio, a opção de uma meta fiscal menos ambiciosa seria uma opção mais razoável, mas esse não tem sido o caso nos últimos anos. O economista-chefe do ABN AMRO, Mário Mesquita, também adverte que a composição do superávit primário é importante. Embora defenda uma meta mais elevada, ele diz que, se o ajuste se basear em aumento simultâneo de receitas e gastos, não haverá tanto espaço para redução dos juros. Para isso, o esforço fiscal teria que se basear principalmente em corte de despesas, o que parece difícil num ano eleitoral.