Título: Vaga com salário baixo reduz renda
Autor: Raquel Salgado e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2005, Brasil, p. A3

Trabalho Contratações sem carteira assinada sobem, e emprego formal recua em outubro

A precarização do mercado de trabalho e a abertura de vagas com menores salários em detrimento do fechamento de postos que pagam mais fizeram a renda real cair 1,4% em outubro, situação incomum para esta época do ano. Esse movimento reflete o grau de insegurança dos empresários com relação ao futuro da economia e também está relacionado às contratações temporárias para o final do ano. Essa foi a primeira queda no rendimento desde maio deste ano. O resultado foi influenciado pela geração de postos sem carteira assinada que, tradicionalmente, pagam menos que os trabalhos formais. Desde julho, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o emprego informal estava em queda, mas em outubro foram criados 35 mil postos desse tipo, uma alta de 0,8%. Por outro lado, foram fechados 64 mil postos protegidos pela legislação trabalhista. Outro sinal de que a queda na renda está atrelada à qualidade do emprego criado é o fato de o rendimento nominal, aquele que não leva em consideração a inflação, também ter recuado. Ou seja, não foi só uma inflação maior em outubro que impactou negativamente os rendimentos dos trabalhadores brasileiros. No entanto, essa troca de postos formais por informais é um fenômeno do curto prazo. Nos 12 meses terminados em outubro, o emprego com carteira puxa o crescimento total de postos de trabalho. O avanço da criação desses postos foi 4,6% superior à geração total de vagas (3,1%) e bem maior do que o crescimento dos sem carteira, que não chega a 0,6%. As categorias organizadas seguem obtendo bons acordos salariais no segundo semestre, o que pode indicar que o recuo da renda é passageiro. Os 75 mil empregados em indústrias químicas do Estado de São Paulo, por exemplo, conseguiram agora, no mês de novembro um aumento de 2,55% além da inflação. As costureiras de São Paulo também conseguiram 1% de reajuste real, mesmo percentual obtido pelos bancários de todo o país. Os 100 mil empregados no setor papeleiro não se contentaram com a oferta patronal de elevação de 2,1% acima da inflação. Com data-base em outubro, eles não fecharam acordo e fazem paralisações nas empresas, pois não quererem abrir mão de um reajuste real de 3%. Para Marcelo de Ávila, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), contudo, o rendimento médio não consegue se recuperar em função da inflação. Ele reconhece que, mesmo em um momento em que a inflação dos últimos 12 meses é menor que a dos 12 meses futuros, o rendimento que poderia crescer um pouco mais não cresce, e se há um rebate da taxa de inflação para cima, o rendimento volta a cair, como agora. Ele recorda que em 2003, no primeiro ano do governo Lula, o rendimento despencou 12%, e a partir daí não se recuperou. Em em outubro de 2002, o ganho real médio era de R$ 1.090. "Nunca mais chegamos a este patamar." Em outubro, mês em que empresários costumam contratar mais pessoas para atender ao aquecimento das vendas no final do ano, a taxa de desemprego permaneceu estagnada em 9,6%, sinal de que o mercado de trabalho sentiu na pele a retração da economia no terceiro trimestre. Entre setembro e outubro, o comércio foi o setor que mais abriu vagas: 51 mil, uma alta de 1,3%. A indústria também contratou mais, mas o aumento ficou em apenas 0,65%. Em contrapartida, os serviços fecharam 9 mil vagas. Para João Sabóia, economista do trabalho e professor da UFRJ, esses resultados não surpreenderam. "Estamos pagando o preço de uma política monetária que foi certamente aplicada em dose exagerada", comenta. Para Ávila, do Ipea, a explicação também fica por conta do desaquecimento da economia. Ele não esperava esta queda de rendimento e avaliava que a taxa de desemprego poderia até cair em outubro por fatores sazonais. "Mas a economia retraiu de maneira tal que por incrível que pareça a própria indústria que emprega gente nesta época do ano teve o nível de emprego zerado". Ele lembra que o o serviço doméstico, cujo emprego crescia a dois dígitos, perdeu força e em outubro só cresceu 1,9%. No tocante à renda, o economista do Ipea considerou que os rendimentos do trabalho não conseguem mostrar uma tendência contínua de crescimento. "O rendimento médio caiu para R$ 966, o menor patamar desde junho de 2005, quando era de R$ 949. As maiores perdas ficaram com os empregados com carteira, cuja renda média caiu para R$ 955 no mês passado". Na variação anual, os 3,7% de expansão em agosto perderam força e ficaram em 2% em setembro e em 1,8% em outubro. Não consigo prever o que vai acontecer este ano com a renda", diz Ávila.