Título: Para Boris Fausto, Judiciário ameaça governabilidade
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2005, Política, p. A6

Historiador identificado com o PSDB, o intelectual Boris Fausto afirmou ontem, em palestra na associação de empresários "Pensamento Nacional das Bases Empresariais" (PNBE), que o Judiciário começa a se tornar uma vertente de agravamento da crise política. Fausto comentava o julgamento, pelo Supremo Tribunal federal (STF), do recurso do deputado José Dirceu contra seu processo de cassação na Câmara, que terminou empatado. "Até há muito pouco tempo, a Justiça era uma instituição relativamente preservada na percepção popular. Isto acabou. Tem havido uma preocupante politização da Justiça e é visível que esta interferência pode levar a um conflito institucional grave. Quando um ministro do STF cabala votos a favor de alguém é mais um exemplo de que vivemos uma flexibilização da ética. Em tempos anteriores, ministros amigos de acusados argüiam sua própria suspeição", disse, sem citar nomes. O presidente do STF, Nelson Jobim, é freqüentemente identificado como próximo a Dirceu. De acordo com Fausto, a "flexibilização da ética" de um lado, e a radicalização da crise política, do outro, diminuem a governabilidade de qualquer presidente que seja eleito no próximo ano. "Tenho medo de que o debate de 2006 gire em torno sobre quem é menos ladrão. Se Lula se reeleger, o fará sem legitimidade. Com a oposição ganhando, pode haver uma retomada de ações radicais dos movimentos sociais. Há algum risco de comprometimento da governabilidade", disse. O historiador afirmou que a eleição do próximo ano se dará em circunstâncias radicalmente diferentes das últimas sucessões presidenciais. "Temos um cenário em que a grande crise do país não reside na economia, e sim na política. Hoje, a economia brasileira está atrelada ao cenário internacional, que no momento não preocupa. Mas no cenário político, a crise é de imensa gravidade", afirmou. Neste sentido, o que chamou de "flexibilização ética" ganha mais visibilidade. Para Fausto, o Brasil vive um momento de aumento da corrupção, e não de maior registro de casos em razão da melhoria de instrumentos de controle e transparência. "O que esta crise trouxe de assustador foi a elasticidade do aceitável. Antes, caixa 2 em campanhas era tratado como escândalo. Agora, virou direito consuetudinário", afirmou. Já o clima de radicalização política, segundo Fausto, seria previsível em um governo petista. "Há na tradição da esquerda uma despreocupação com a institucionalidade, uma crença, no caso do PT, na deslegitimização das instituições". A conseqüência disso, segundo o historiador, teria sido um aparelhamento do Estado que aumentou a temperatura do confronto político. "A burocracia governamental deveria perpassar diversas mudanças de governo. Até mesmo no Chile, a burocracia criada na ditadura de Pinochet (Augusto Pinochet, ex-presidente do Chile) passou para os governos democráticos", disse. Fausto comentou que as denúncias de corrupção deste ano, ajudaram a desmitificar a noção de que a classe parlamentar do Norte e do Nordeste exerce um papel protagonista nos escândalos políticos. "As oportunidades de corrupção aumentaram imensamente e se manifestam nas regiões mais avançadas do país porque é onde está o dinheiro", disse. Dos 22 deputados federais que renunciaram, foram cassados ou enfrentam processo no Conselho de Ética nesta legislatura, sete são de São Paulo, três do Rio de Janeiro e três de Minas Gerais. Sobre o tema central da sua palestra, a reforma política, Fausto demonstrou ceticismo. Lembrou que até mesmo na República Velha, dominada por São Paulo e Minas, o Estado era subrepresentado no Congresso. Disse que a mudança do sistema eleitoral para o Legislativo deveria ser implantado por etapas, introduzindo o voto distrital nos municípios pequenos e médios e proporcional com lista fechada em nível nacional. "As regras podem reduzir os custos das campanhas e as oportunidades de corrupção, mas não as resolverão completamente", disse.