Título: Conselho vê falhas nas provas apresentadas por João Paulo
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2005, Política, p. A8

Crise Notas fiscais têm datas distintas e números de série 151, 152 e 153

O deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara, falou com firmeza aos colegas do Conselho de Ética, ontem, emocionou-se em alguns momentos, mas tropeçou ao responder algumas perguntas do relator do processo contra ele, deputado César Schirmer (PMDB-RS). A principal falha nas explicações de João Paulo refere-se às três notas fiscais apresentadas por ele para justificar os R$ 50 mil sacados da agência do Banco Rural em Brasília. Os documentos têm datas distintas, mas apresentam números de série seqüenciais, como se tivessem sido emitidos no mesmo dia. O petista não respondeu à pergunta do relator. Segundo a versão de João Paulo, o dinheiro recebido no Rural por sua esposa, Márcia Regina Cunha, tinha como destino o pagamento de três pesquisas de opinião feitas em Osasco, Cotia, Jandira e Carapicuíba, municípios paulistas onde o deputado mantém suas bases eleitorais. O ex-presidente da Câmara apresentou três notas. Uma de R$ 30 mil datada de 10 de setembro de 2003, outra de R$ 11 mil do dia 30 de setembro e, a última, no valor de R$ 10 mil notificada em 19 de dezembro do mesmo ano. Os três documentos, embora emitidos em datas distintas, têm os números de série 151, 152 e 153. Perguntado sobre essa questão, João Paulo não respondeu diretamente. "Pesquisa de opinião é um tipo de produto que você não consegue adulterar. A comprovação de que as pesquisas foram mesmo contratadas são as próprias pesquisas. É importante que o senhor (Schirmer) considere as pesquisas, elas foram realizadas", justificou. O petista apresentou ao Conselho de Ética uma carta assinada por Delúbio Soares na qual o ex-tesoureiro do PT confirma que orientou o deputado a fazer o saque do dinheiro no Rural. "Esses R$ 50 mil eram um cheque em Minas Gerais. Viraram dinheiro na agência do Rural em Brasília. De Brasília, seguiram para São Paulo em pacotes e, em São Paulo aguardaram as datas do pagamento para serem levados ao interior. Não era mais fácil o PT fazer o pagamento direto às empresas, por meio de cheque?", perguntou o relator. O ex-presidente da Câmara fez uma mea-culpa: "Às vezes, cometemos erros ou temos certa displicência. Se eu pudesse voltar atrás, faria exatamente como o senhor disse. Não me dei conta da burocracia fiscal e contábil". Perguntado sobre os motivos pelos quais a mulher dele foi à agência, João Paulo disse que esse fato depõe a favor dele. "Se eu soubesse que tinha qualquer irregularidade eu ia mandar a minha esposa? Tenho muitos defeitos, mas não sou tão estúpido, não sou tão idiota", justificou. João Paulo disse a todo momento ter certeza da origem do dinheiro: "Sempre tive a convicção de que era dinheiro do diretório nacional do PT. Sempre. Nunca desconfiaria de nada. Naquela época, não havia nada contra o Delúbio". César Schirmer, em seguida à explicação de João Paulo, disse que o recibo assinado por Márcia no Rural dizia que o dinheiro tinha origem na SMP&B. "Minha mulher não tinha obrigação nenhuma de saber o que era a SMP&B", explicou. O relator pergunta sobre uma seqüência de eventos relacionados a Marcos Valério de Souza, dono das agências DNA e SMP&B. No dia 3 de setembro de 2003, houve um café da manhã na residência oficial do presidente da Câmara com a presença de Valério. No dia seguinte, foi feito o saque de R$ 50 mil. Semanas depois, a DNA venceu a licitação. No café da manhã, segundo João Paulo, não foi feita menção ao dinheiro. "Ele foi me visitar para me dar um abraço por conta da aprovação da reforma tributária", afirmou. João Paulo também refutou qualquer influência em possíveis irregularidades ocorridas no contrato da agência de Valério com a Câmara. Segundo relatório preliminar do Tribunal de Contas da União, houve diversas irregularidades, dentre as quais subcontratações feitas pela empresa em discordância com as exigências do edital. O deputado procurou minimizar a importância de Valério ter-lhe dado de presente de aniversário, em 2003, uma caneta Montblanc. "Seria uma indelicadeza devolvê-la. Eu não uso Montblanc. Doei a caneta ao Fome Zero", disse. A doação foi feita em 2005, depois do estouro do escândalo do mensalão. "Foi uma ruptura do vínculo com Marcos Valério, um acerto de contas mesmo ", explicou. Os deputados não se convenceram da inocência de João Paulo. "Não convenceu. Apesar de que ainda é o início da instrução do processo", disse Chico Alencar (P-SOL-RJ).