Título: Influindo nas mudanças climáticas
Autor: Jeffrey D. Sachs
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2005, Opinião, p. A11

O mundo precisa começar a agir logo para que se possa eliminar as ameaças mais graves

Os registros climáticos existentes mostram que os dez anos mais quentes ocorreram todos desde 1990, e 2005 provavelmente será o mais quente em todo o período. Neste ano, estivemos sujeitos a diversos tipos de perigos que teremos em anos futuros: mais furacões violentos, secas rigorosas, incêndios florestais, disseminação de doenças infecciosas e inundações. O clima está mudando, e mais mudanças ainda estão por vir. Os governos de todos os países do mundo irão reunir-se em Montreal no fim de novembro para decidir sobre os próximos passos a tomar, e entre eles as medidas específicas que o mundo poderia adotar se o governo Bush abandonasse sua posição de desprezo deliberado por essa questão crítica. Quando se fala em mudança climática, pensa-se em "aquecimento mundial", mas há outros fenômenos envolvidos mais do que apenas aquecimento. A crescente concentração de dióxido de carbono e de outros gases que provocam o efeito estufa está causando tempestades mais violentas, furacões de maior intensidade, elevação nos níveis dos oceanos, derretimento de geleiras e de capas de gelo, secas, inundações e outras mudanças climáticas. Até mesmo os processos químicos no solo e nos mares estão sendo modificados, resultando em maior acidez nos oceanos e ameaçando, assim, os recifes de coral devido ao aumento da presença de dióxido de carbono. Os padrões específicos de mudança não são conhecidos com exatidão, mas os riscos de nos mantermos mundialmente no rumo atual são amplamente reconhecidos. Apesar disso, os EUA recusaram-se a assinar o Protocolo de Kyoto, que pouco contribui para mudar o curso de eventos no planeta no longo prazo, uma vez que o documento estipula apenas a adoção de pequenos passos até 2012. Nos termos do Tratado da ONU sobre mudanças climáticas, os signatários - praticamente todos os países do mundo - devem reunir-se anualmente para discutir sua implementação. A conferência em Montreal - o 11º desses encontros -, deverá olhar para além de 2012 com o objetivo de fazer com que o mundo passe a trilhar um caminho climático seguro e sustentável no longo prazo. As ações necessárias são de difícil implementação porque vão ao cerne de como o mundo usa energia hoje, especialmente a utilização de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), os quais, quando queimados, liberam na atmosfera o dióxido de carbono, que é a principal fonte do efeito estufa. Mas a economia mundial depende de combustíveis fósseis, e os países em desenvolvimento precisarão usar mais, e não menos, desses combustíveis à medida que suas economias crescerem. Mesmo se o mundo sofresse o esgotamento de todo seu petróleo e gás nos próximos anos, o carvão iria se revelar abundante, e o carvão sólido pode ser convertido, a um custo relativamente baixo, em combustíveis líqüidos para mover automóveis e em outros usos. Infelizmente, fontes de energia renovável limpa, não emissora de dióxido de carbono, como energia eólica e geotérmica, ainda não são suficientes. A conversão da energia solar em outras formas pode ser realizada na escala necessária, mas o processo é muito caro empregando as atuais tecnologias. A energia nuclear é relativamente barata e poderia ser suficiente, mas cria enormes riscos decorrentes de uma crescente proliferação de materiais usados na fabricação de armas nucleares.

As ações necessárias são de difícil implementação porque vão ao cerne de como o mundo usa hoje energia, especialmente o uso de combustíveis fósseis

Assim, combustíveis fósseis existem em abundância, mas são nocivos; as fontes renováveis, como o vento, são benéficas para o clima, mas não são largamente disponíveis. A energia solar é abundante, porém não é barata. A energia nuclear também é abundante, mas não é segura. Tecnologias aperfeiçoadas podem abrir um caminho para driblarmos esses dilemas, mas apenas se raciocinarmos e agirmos com antecedência. Existem dois tipos principais de tecnologias que parecem mais promissores. A primeira é a conservação de energia mediante o uso de veículos mais eficientes. Novos automóveis híbridos, tecnologia em que a Toyota foi pioneira, usam tanto gasolina como energia elétrica para aproximadamente dobrar a eficiência do consumo de gasolina. Uma migração maciça dos carros para a nova tecnologia faria grande diferença, especialmente à medida que o número de veículos disparar na China, Índia, e em outros países em desenvolvimento. A segunda grande tecnologia que poderia fazer importante diferença é denominada "captura e armazenamento de dióxido de carbono". A idéia é "capturar" o dióxido de carbono que é emitido em usinas geradoras de eletricidade e em outras grandes fábricas quando ocorre a queima de combustíveis fósseis, prevenindo, assim, que o gás contamine a atmosfera. O dióxido de carbono capturado seria, então, bombeado para locais para armazenagem subterrânea, por exemplo, em campos petrolíferos esgotados e outros locais adequados. Todos os aspectos cruciais da tecnologia - a captura do dióxido de carbono, sua canalização para embarque e transporte, e finalmente sua armazenagem no subsolo - já foram demonstrados, mas ainda não foram testados e comprovados em larga escala. Mas há fortes evidências de que não custaria ao mundo enormes quantias implementá-los. O problema está na escolha do momento oportuno. A mudança no projeto dos automóveis para convertê-los em modelos híbridos e para a adoção de outras tecnologias eficientes levará décadas, e não anos. Também não acontecerão no curto prazo as mudanças tecnológicas nas usinas de eletricidade para capacitá-las a capturar e armazenar o dióxido de carbono. Se procrastinarmos, estaremos sofrendo os riscos produzidos pela mudança climática quando ainda estivermos falando, debatendo e planejando. O mundo precisa começar a agir logo - no curtíssimo prazo - para que possamos eliminar as ameaças mais graves. Todas as principais regiões do mundo precisarão se envolver. Os atuais países em desenvolvimento ainda não são grandes emissores de dióxido de carbono, mas com seu crescimento econômico eles passarão a sê-lo. Por isso, todos os países - desenvolvidos e em desenvolvimento - precisam fazer sua parte, e os países ricos devem ajudar os pobres a cobrir os custos financeiros do ajuste. Uma quantidade substancial de dióxido de carbono será lançada na atmosfera quando os negociadores estiverem voando em suas viagens de ida e de volta para participar da conferência mundial sobre o clima, em Montreal. Devemos pressionar nossos governos a fazer reais progressos quando os negociadores estiverem reunidos; do contrário, eles terão simplesmente dado sua contribuição para um agravamento do problema.