Título: Acordo para salvaguardas sai até dia 30
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2005, Especial, p. A12

Relações externas Argentina aceita proposta de criação de sistema de arbitragem para resolver disputas

O governo brasileiro espera anunciar, na comemoração do Dia da Amizade Brasil-Argentina, no dia 30, a criação de um mecanismo de salvaguardas entre os dois países, com barreiras comerciais em caso de aumento de importações. Apenas detalhes técnicos separam Brasil e Argentina de um acordo que ameaçou transformar em fracasso a comemoração, na cidade argentina de Puerto Iguazu, prevista como celebração dos laços entre os dois países. Os dois governos prevêem a assinatura de acordos importantes de cooperação militar, nuclear e em outros setores. Querem anunciar até a previsão de um acordo de direitos políticos que, no futuro, permitirá a brasileiros candidatarem-se a cargos eletivos na Argentina, e vice-versa. A Argentina se recusava a aceitar a criação de um sistema de arbitragem, ao qual o país sujeito às salvaguardas pudesse recorrer caso discordasse da medida. O Brasil comunicou que, sem mecanismo de revisão para evitar arbitrariedades, não haveria a salvaguarda - que os argentinos preferem chamar de Cláusula de Adaptação Competitiva (CAC). Na semana passada, o ministro da Economia argentino, Roberto Lavagna chegou a dizer que, sem a CAC, o encontro do dia 30 seria puramente "cerimonial". Assessores do ministro informavam à imprensa que, sem o acordo da CAC, não seria assinado nenhum dos outros acordos previstos e negociados. Nos últimos dias, porém, membros do governo Néstor Kirchner indicaram que aceitarão a CAC com o mecanismo de arbitragem exigido pelo Brasil. Também aceitaram que o novo mecanismo só seja acionado caso se comprove um aumento de importações, e o dano ou ameaça de dano causado por elas aos produtos no país vizinho. Diplomatas brasileiros e argentinos tentam definir, até a semana que vem, a principal divergência que permanece nas discussões: como impedir que uma eventual barreira aos produtos brasileiros sirva apenas para desviar o comércio e beneficiar fornecedores de outros países. A indústria brasileira acusa os atuais mecanismos de controle de importações na Argentina de ter favorecido competidor do Mercosul no mercado vizinho. Os argentinos ainda não aprovaram nenhuma das sugestões brasileiras de cláusula para evitar esse desvio de comércio. Os diplomatas brasileiros se dizem otimistas em relação ao acordo, e lembram que ele exige negociações prévias, informais, entre setores empresariais afetados, antes da aplicação de qualquer mecanismo de salvaguardas. Os argentinos conseguiram, no entanto, que uma vez estabelecidas, as barreiras de salvaguarda (cotas, tarifas de importação extraordinárias) permaneceriam em vigor enquanto não houvesse decisão em contrário do grupo de árbitros escolhido para julgar o caso. Os industriais brasileiros já enviaram documento ao governo classificando a CAC de retrocesso, contrário ao Tratado de Assunção, que regulamenta o Mercosul. O governo brasileiro, que também resistia à proposta argentina, argumenta agora que tem de agir com pragmatismo, e que é melhor regulamentar uma situação que já vem ocorrendo, com diversos acordos "voluntários" de restrição a importações na Argentina, para evitar a adoção de medidas unilaterais pelo vizinho. Alguns setores brasileiros, como os produtores de arroz e de vinho, são favoráveis à medida e prometem acioná-la contra concorrentes argentinos. Os brasileiros conseguiram que os argentinos aceitassem as exigências para aplicação da CAC segundo normas da Organização Mundial do Comércio, entre elas a necessidade de um programa de conversão, de aumento de competitividade, para os setores protegidos pelas salvaguardas contra importações do vizinho. O encontro entre os dois presidentes é uma comemoração dos primeiros acordos de integração bilaterais, firmados em 1985 pelos então presidentes José Sarney e Raúl Alfonsin, que resultaram no Mercosul, anos depois. Lula e Kirchner assinarão uma declaração com o relato dos avanços promovidos desde então, e a série de acordos, muitos dos quais atualizações de antigos compromissos firmados pelos dois países. Um exemplo de acordo ressuscitado é o acordo de residência, que facilitará a obtenção de visto de residência de brasileiros na Argentina e de argentinos no Brasil. O Mercosul já firmou acordo do gênero, mas a demora na regulamentação do tratado pelos sócios menores, Uruguai e Paraguai, levou os sócios maiores a decidir a adoção de um acordo bilateral, para pronta entrada em vigor. Será anunciada a decisão de negociar um estatuto de Direitos Civis e Políticos (como o existente entre Brasil e Portugal), um acordo mais profundo, que permitirá até aos migrantes dos dois países pleitearem direitos políticos no país de residência, com a possibilidade de votarem e se elegerem no país vizinho ao do nascimento. Os dois governos deverão chamar atenção para outro grupo de acordos de cooperação, a maioria na área militar, espacial e científica. Será firmado acordo para produção conjunta de reatores nucleares de pequeno porte para fins pacíficos, e uma declaração para reiterar as linhas da atuação conjunta dos dois países, nesse campo. Outro acordo preverá a fabricação de um jipe militar blindado desenvolvido pelas duas Forças Armadas. E os dois governos se comprometerão, também, a fabricar conjuntamente remédios e princípios ativos para doenças como a hanseníase, leishmaniose, mal de Chagas, malária e aids. Espera-se concluir, ainda, até a próxima quarta-feira, o acordo de equivalências entre os dois sistemas de fiscalização sanitária e fitossanitária em uma lista de produtos que vem sendo discutida pelos técnicos dos dois países.