Título: Renovada a fé nas PPP
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2004, Brasil, p. A2

Fechado o acordo político sobre o conteúdo e a tramitação do projeto de lei das Parceiras-Público-Privadas (PPP), para votação, na próxima semana, nas comissões de Assuntos Econômicos (Cae) do Senado, e de Constituição e Justiça (CCJ), os técnicos do Ministério do Planejamento já estão concluindo, também, o formato do fundo garantidor. Ele contará com ações de empresas estatais de primeira linha, excedentes ao controle, tais como Banco do Brasil e Petrobras; além de bens imóveis e recursos orçamentários. O fundo será criado por decreto presidencial como garantia de pagamento ao setor privado, em caso de eventual inadimplência do setor público. Ele não poderá ser contingenciado pelo governo, e, em situações de litígio, a empresa privada em questão não cairá nas contas de precatórios. Ao contrário, débitos com o setor privado, decorrentes de contratos de parcerias, terão que ser pagos através de determinação direta da justiça. As áreas técnicas do Planejamento e do Ministério da Fazenda estão se cercando de todos os cuidados para que as parcerias sejam, de fato, um instrumento de alavancagem de novos investimentos a partir de 2005, sem que isso produza "esqueletos fiscais" no futuro. Há o temor, também, de que os empresários privados não se sintam atraídos pelo mecanismo das PPP. O chefe da assessoria econômica do Planejamento, Demian Fiocca, até reconhece que nos contatos que têm tido com empresários nacionais e estrangeiros, há algumas reticências, sim, embora não falte interesse. O que preocupa mais ao setor privado, segundo ele, é a solidez do ambiente legal e regulatório do país. Fiocca conta que, nas últimas semanas, foram várias as viagens de técnicos da Unidade PPP, do Planejamento, ao exterior para analisar as experiências internacionais nas parcerias e identificar possíveis problemas. Os técnicos fizeram um estudo detalhado dos projetos na Inglaterra, Portugal e Chile. O México está criando o seu modelo e há duas semanas o presidente Vicente Fox abriu um seminário, na Cúpula das Américas, sobre as parcerias. Se a Inglaterra, país que não sofre de restrições fiscais, é o exemplo de sucesso nas PPPs, Portugal é o caso mais gritante de problemas fiscais advindos das parcerias. As razões que levaram o governo de Portugal a comprometer quase que a totalidade dos recursos do Instituto das Estradas, em contratos de PPPS, foram várias e minuciosamente avaliadas pelo Planejamento. O arcabouço legal das parcerias, lá, só foi elaborado em 2003, cinco anos após a existência do programa de rodovias em pedágio sombra (os pedágios são contratados em números de veículos que transitam naquela estrada, e o Estado paga sua totalidade à empresa). Na contratação dos projetos, não houve, por parte do governo português, uma avaliação prévia do impacto fiscal de longo prazo, assim como não havia limite de aplicação em projetos de PPP. Além do mais, as licitações foram feitas em projetos básicos e sem licença ambiental prévia. Isso levou a um substancial aumento de custos e necessidade de renegociação dos contratos.

Fundo terá ações do BB e da Petrobras

Todos esses equívocos, que produziram um estrangulamento orçamentário naquele país, foram corrigidos depois. A despeito do custo fiscal ter sido mal dimensionado, o programa de PPP implementado em Portugal permitiu desenvolver uma rede de rodovias de boa qualidade, com elevado grau de eficiência, que representará a duplicação de sua extensão até 2006. "Para nós foi uma grata surpresa saber que as causas do descontrole fiscal em Portugal já foram sanadas no nosso projeto", garantiu Fiocca. Aqui, o grande limitador do custo fiscal será a imposição de um teto para o fluxo de despesas com PPP de 1% da receita líquida dos três entes: União, Estados e municípios. E isso não é pouco, assinala o assessor. Prevendo uma taxa de retorno de 15% para um empreendimento, 5% de fluxo equilaveria a 35% da receita líquida. Isso, ao final das contas, tornaria possível um orçamento anual de investimentos a mais. Quanto a prever o impacto fiscal de longo prazo, mesmo considerando as PPP despesas de caráter continuado, é exigência legal que o governo produza, junto com o orçamento, um anexo de riscos fiscais a cada ano. Na Inglaterra, o resultado dos relatórios do órgão que equivale, aqui, ao Tribunal de Contas da União, indica que 80% dos projetos de PPP foram concluídos no prazo contratado, em comparação a apenas 30% nas obras públicas convencionais. Para os 20% em que houve atraso, este não foi superior a 4 meses. Também 80% dos projetos ficaram dentro do orçamento previsto, contra 25% dos projetos contratados tradicionalmente. Outro fato mencionado pelos relatórios é que a relação preço-qualidade dos serviços prestados, lá, indica uma economia de 17% em relação aos serviços prestados pelo setor público. Os projetos de melhores resultados foram os de transportes, saúde (hospitais), segurança pública (prisões), defesa, educação (rede de escolas) e gestão do patrimônio imobiliário público. Já no Chile, de 1994 para cá foram executados 36 projetos no valor de US$ 6 bilhões, sendo 14 no setor de transportes, nove aeroportos, duas prisões e um reservatório. Desses, 20 já estão em operação. O governo chileno ofereceu como garantias a possibilidade de securitização das receitas futuras, o contrato de concessão como garantia colateral do financiador, e até 70% da demanda. Ou seja, o risco privado corresponde a apenas 30% da demanda. E lá se criou uma espécie de câmara de arbitragem, para permitir que eventuais conflitos entre as partes sejam resolvidos de forma rápida e não tenham que ser levados ao poder Judiciário. Fiocca garante que aqui também deve ser criada uma instância de arbitragem fora do judiciário. Para os que receiam fazer negócios com o governo porque no país não há uma sólida cultura de respeito a contratos, Fiocca lembra que nos momentos em que foi testado, o sistema regulatório, ao contrário do que parece, reagiu bem. Basta lembrar as decisões da Corte Especial do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), do dia 1º de julho, a favor do respeito aos contratos no caso das tarifas telefônicas e do reajuste de pedágio de uma estrada no Paraná.