Título: Temor de golpe assusta bolivianos
Autor: Sheila Machado
Fonte: Valor Econômico, 02/12/2005, Internacional, p. A12

Senador do MAS, aliado de Evo Morales, tumultua o país ao afirmar que cocalero planeja tomar o poder ''por bem ou por mal''

O medo de um golpe militar tomou conta da Bolívia ontem, depois que o senador do Movimento ao Socialismo (MAS), Román Loayza, afirmou que o candidato partidário à presidência, Evo Morales, será presidente ''por bem ou por mal''. Segundo Loayza, o líder cocalero se encontrou com membros da polícia e do Exército para facilitar a tomada do poder, em caso de vitória do direitista Jorge Quiroga. - As forças da ordem não permitirão sequer seis meses de mandato. Mas tudo será sem derramamento de sangue - contou. Em contrapartida, Quiroga - o candidato das oligarquias de Santa Cruz e Cochabamba - manifestou repúdio à ameaças do MAS e pediu ao presidente, Eduardo Rodríguez, e ao Congresso, que investiguem a suposta tentativa de golpe. A pouco mais de duas semanas das eleições, no dia 18, a declaração de Loayza trinca o frágil ambiente democrático mantido a duras penas no país. E, embora possa parecer uma demonstração de força, periga custar a eleição de Morales, líder nas pesquisas, porque, em parte, este precisa do apoio dos setores de classe média. - Esta não é irrelevante em termos eleitorais, embora devido à queda de renda dos bolivianos desde 1985 venha se reduzindo. Seu voto oscila entre direita e esquerda e é neste contexto que Morales está vulnerável - explica ao JB o antropólogo americano Robert Albro. A crise avançou rápido, o que pode ser medido pela pronta intervenção do líder cocalero. Evo Morales agiu prontamente para tentar apagar o incêndio. - Loayza não é porta-voz do MAS e suas afirmações estão totalmente desorientadas. Queremos aprofundar a democracia participativa. Lutamos contra a ditadura - sustentou ontem o sindicalista ao perceber a convulsão política. Mesmo ''bem intencionado'' a favor da vitória do MAS, a declaração do senador foi um gol contra. E segundo Albro, o cenário de encontrar inimigos entre os próprios correligionários não é novidade para Morales: - A relativa inexperiência de muitos legisladores do MAS os leva, muitas vezes, a fazer acusações infundadas e comentários inapropriados, que acabam por complicar o trabalho político de Evo. A possibilidade de golpe, entretanto, não parece ser real, acredita o antropólogo. - A História recente da Bolívia tem muitos conflitos e convulsões socais e os militares nunca exploraram a idéia de um novo golpe. Em outros países latinos, presidentes foram depostos com relativa freqüência e, embora as forças armadas continuem aparecendo como referências políticas, golpes não aconteceram - lembra. Mas há pelo menos um registro de conversa de Morales com os militares, durante a ''Guerra do Gás'', em 2003, que provocou a deposição do presidente Gonzálo Sánchez de Lozada. O assunto era a exportação de gás natural para o Chile, fortemente repudiada por ambas as partes em nome da ''dignidade'' e da ''soberania'' da Bolívia. - Ainda assim, não acredito que Evo esteja se aliando aos quartéis, pois isso o distanciaria muito de sua base social. Os cocaleros se sentem vítimas do programa militar (financiado pelos Estados Unidos) de erradicar as plantações de coca em Chapare, nos últimos 20 anos. Além disso, ninguém gosta de lembrar do massacre de manifestantes civis no distúrbio que derrubou Lozada. Os militares não são aliados dos movimentos sociais na Bolívia - diz Albro.