Título: Diretor da Fiesp propõe que Mercosul dê um passo atrás
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2004, Brasil, p. A3

Integração Gianetti lidera movimento para convencer governo a retroceder acordo para área de livre comércio

Às vésperas da comemoração dos 10 anos do Protocolo de Ouro Preto, um grupo de empresários brasileiros solicitará ao governo que dê um passo atrás no processo de integração e transforme o Mercosul de união aduaneira em área de livre comércio. A iniciativa é capitaneada pelo novo diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Gianetti da Fonseca. Os empresários argumentam que o Mercosul é uma "âncora" que segura o Brasil nas negociações internacionais, impedindo acordos bilaterais com os grandes mercados, como Estados Unidos e União Européia. "A solução é renegociar o Mercosul. É preciso ter atitudes corajosas", disse Gianetti, que foi secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex) durante o governo Fernando Henrique, em entrevista ao Valor. A proposta está sendo debatida dentro da Fiesp e já conta com a simpatia de entidades que enfrentam problemas com a Argentina, do agronegócio e da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB). O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, também está ciente do assunto. Gianetti garante que "não é uma bravata" e diz que levará ao governo um trabalho técnico de planejamento dessa mudança. "Não é abandonar o Mercosul e ignorar a prioridade do foco na América Latina, mas liberar o Brasil para negociar livremente". Uma união aduaneira tem duas características principais: possui uma Tarifa Externa Comum (TEC) e negocia acordos com terceiros países em conjunto. Em uma área de livre comércio, os países se limitam a zerar as tarifas entre si. O Mercosul deu um passo ambicioso e decidiu se tornar uma união aduaneira em dezembro de 1994, com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto. "Às vezes é melhor recuar dois passos do que ficar travado. O Mercosul tem sido uma barreira", diz Cláudio Martins, diretor-executivo da Associação Brasileira dos Exportadores de Frango (Abef), que reúne empresas como Sadia, Perdigão e Seara. Os empresários dos setores mais competitivos da indústria e do agronegócio estão decepcionados com o atraso das negociações com a UE e do Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca). E atribuíram ao Mercosul o fracasso na recente tentativa de selar um acordo com a Europa. Ao adotar a proposta menos agressiva dos quatro países do bloco para cada setor, o Mercosul piorou sua oferta aos europeus nos setores automotivo, têxtil e calçados por conta do protecionismo da Argentina. Por outro lado, a indústria brasileira foi responsável por ofertas piores em autopeças, bens de capital e eletroeletrônicos. Os empresários brasileiros também reclamam do Paraguai, que não possui relações diplomáticas com a China, e do Uruguai, que fechou acordo de investimento com os EUA pouco antes das eleições presidenciais. Se voltasse a ser uma área de livre comércio, o Mercosul estaria mais próximo do Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) do que da UE. "O México já fechou 42 acordos de livre comércio. Nós queremos dar um passo e tem três nos segurando", diz José Augusto de Castro, vice-presidente da AEB. Os recentes conflitos com os argentinos também ajudaram a acirrar os ânimos dos empresários brasileiros. "Ou o Mercosul é para valer, ou é só uma âncora que segura o Brasil nos acordos bilaterais", defende Paulo Saab, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros). O setor enfrenta restrições da Argentina para a venda de geladeiras, fogões, lava-roupas e televisores e está insatisfeito com a maneira como o governo brasileiro tem conduzido as negociações. "O governo argentino comete uma série de arbitrariedades e o governo brasileiro não dá resposta à altura", diz Saab. Elcio Jacometti, presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Calçados (Abicalçados), afirma que o propósito do Mercosul é ser área de livre comércio e que "a Fiesp está correta". O setor de calçados está interessado na Alca e enfrenta tensas negociações com os argentinos. Só que transformar o Mercosul em área de livre comércio não solucionará os problemas internos do bloco. O governo brasileiro está buscando uma nova interlocução com os empresários por meio da formação da Coalizão Empresarial Brasileiro-Argentino. E contava com a Fiesp para dialogar com os setores mais sensíveis. Skaf teve uma reunião inicial com as áreas eletrodomésticos, têxteis, calçados e automóveis. Mas, por enquanto, não foi bem-sucedido. Representantes desses setores desconfiam da iniciativa e dizem que a entidade paulista não fala pelo país.