Título: Proposta de mudança do IR nas aplicações financeiras
Autor: Fabio Giambiagi
Fonte: Valor Econômico, 07/12/2005, Opinião, p. A11

Uma das unanimidades nacionais é que, no decorrer dos próximos anos, um dos maiores desafios que terá que ser vencido pelo país é o da redução das taxas de juros reais. Por qualquer parâmetro de comparação que for utilizado, a taxa de juros real de 2005 será extremamente elevada. Onze anos depois da estabilização, o fato de termos uma Selic real da ordem de 13% é, certamente, frustrante. Já a resposta à questão de como operar a transição rumo a uma economia que tenha não apenas inflação baixa, como também taxas de juros "normais", é algo que está longe de gerar consenso e que vai além dos limites deste artigo. Entretanto, julgamos que um dos diversos elementos de uma estratégia que vise esse objetivo (reduzir a taxa de juros) deveria ser a diminuição da cunha fiscal. De fato, um dos problemas que temos atualmente é a incidência de uma tributação expressiva nas aplicações em títulos públicos. Com efeito, um indivíduo que aplique em um fundo lastreado em títulos públicos e que movimente sua conta duas vezes por ano, estará sujeito a uma taxação do Imposto de Renda na Fonte (IRF) de 22,5%. Isso significa que, para uma Selic de 18,5% ao ano, ou 8,86% em seis meses, o rendimento nominal líquido será de 6,87% no semestre e 14,2% no ano, o que significa que uma taxa de juros real bruta, para uma inflação de 5%, de 12,9%, se transforma em uma taxa real líquida de 8,8% quando levado em conta o efeito da tributação, taxa essa ainda muito elevada, mas bastante inferior a 13%. Uma das formas, conseqüentemente, de obter uma redução real da Selic no futuro pode ser a atuação sobre as alíquotas. Isto porque, se o que interessa ao depositante é com quanto ele fica após a mordida do "Leão", um mesmo juro líquido real é compatível com uma queda da taxa bruta, dependendo da estrutura das alíquotas. Em outras palavras, a Selic, em termos reais, terá que cair no futuro, porque não há nenhuma razão para supor que o país tenha que se resignar a operar permanentemente com taxas superiores a 10% ao ano. Esse processo será reforçado, porém, se ao longo do tempo ocorrer uma redução das alíquotas de imposto de renda sobre as aplicações financeiras.

Há quatro critérios que deveriam nortear esse processo de diminuição das alíquotas. Primeiro, lembremos que o aumento da alíquota para 20% - vigente antes da reformulação do IRF, já no governo Lula - foi uma das medidas do "pacote" tributário de final de 1997, logo depois da crise da Ásia, quando no afã arrecadador aumentou-se a taxação, na época de 15%. Ultrapassada aquela fase crítica inaugurada no final de 1997 com o famoso "pacote 51", é razoável voltar àquele nível de referência de 15% de taxação para as aplicações de até 12 meses. O segundo critério a ser contemplado é o de conservar o princípio da diferenciação conforme o prazo das aplicações, introduzido pelo governo atual e que foi uma inovação importante, que seria mantida, ainda que com uma estrutura de alíquotas menores do que as atuais.

Alíquota do IRF deve ser de 15% para aplicações de até um ano, com queda de 5% por ano até zero para quem não movimentar seus recursos por mais de 3 anos

O terceiro critério seria o de diferenciar as alíquotas por períodos de aplicação medidos em anos (ou múltiplos de 12 meses) e não mais em semestres. Finalmente, o quarto critério a ser levado em conta seria o gradualismo, uma vez que a redução de impostos irá gerar perda de arrecadação e, embora tenha chegado o momento de iniciar um processo de queda da carga tributária, isso terá que ocorrer lentamente para não comprometer a viabilidade do cumprimento das metas fiscais estabelecidas para os próximos anos. Por isso, sugerimos que as autoridades estudem uma proposta de redução das alíquotas de IRF a ser aprovada ainda este ano e que comece a vigorar em 2006, estendendo-se ainda por um par de anos na gestão de governo 2007/2010. Essa proposta deveria conter os seguintes elementos: 1) redução do IRF em 2,5% a cada ano a partir de 2006, até a meta postulada; 2) extensão, para além do máximo atual de 24 meses, do benefício de redução das alíquotas, de modo que o depositante que deixar seus recursos sem fazer saques por um número adicional de anos tenha um benefício tributário maior em relação a quem deixar os recursos sem movimentar por menos tempo; e 3) adoção, no final do processo, de uma taxação de 15% para aplicações de até um ano; com queda de 5% por ano até zero para aqueles que deixarem seus recursos sem movimentar por mais de três anos. Isso implicaria adotar uma estrutura de alíquotas como a mostrada na tabela, através de um processo gradual de redução da taxação que se estenderia até 2008. A proposta nos parece que traria vários benefícios. Em primeiro lugar, contribuiria para reduzir a taxa real Selic. Para os parâmetros atuais, por exemplo, a mesma taxa real líquida de 8,8% citada no exemplo anteriormente explicado e associada a uma Selic nominal de 18,5%, iria requerer "apenas" uma Selic nominal de 16,9% com um IRF de 15% ao invés de 22,5%. Em segundo lugar, premiaria com um rendimento líquido maior aqueles que se dispusessem a deixar seus recursos na aplicação original por mais tempo, sem exigir uma taxa bruta tão elevada, uma vez que o objetivo do alongamento das aplicações seria alcançado por meio de uma alíquota tributária inferior e não de uma taxa real bruta "engordada" por uma cunha fiscal abusiva. E, por último, contribuiria, exatamente por isso, para pavimentar o terreno para a ampliação do mercado de títulos públicos de longo prazo, algo essencial para a constituição de um mercado de títulos privados também de longo prazo, uma das chaves do êxito das economias avançadas. Vale a pena analisar o tema.