Título: Governo admite cortar gastos
Autor: Cristino, Vânia; Gonçalves, Marcone
Fonte: Correio Braziliense, 05/05/2010, Economia, p. 11

Secretário da Fazenda reconhece necessidade de equilibrar as contas públicas. Mantega e Meirelles divergem sobre juros e câmbio

A gastança dos últimos anos promovida pelo governo Lula terá agora que ser combatida em meio à disputa eleitoral. Depois de muito embate entre desenvolvimentistas e fiscalistas, uma ala importante do governo deixou claro que será necessário ¿apertar a política fiscal¿, o que significa cortar gastos, única medida que resta para manter as contas públicas equilibradas ao longo deste ano. Ontem, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, garantiu que, no próximo dia 20, serão anunciados ajustes no decreto de revisão orçamentária. Barbosa mostrou preocupação com o controle das despesas, mas seu chefe, o ministro Guido Mantega, é identificado com a ala gastadora. O aperto fiscal deverá ser promovido a despeito do crescimento da economia, cuja previsão para o orçamento passou da faixa entre 5% a 6% para 5,5% a 6,5%. A elevação das projeções do Produto Interno Bruto (PIB), soma das riquezas produzidas no país, deve ajudar a aliviar as contas públicas, pois um maior nível de atividade se reflete naturalmente na arrecadação de impostos. Embora o secretário não tenha explicado como será a revisão da política fiscal, o anúncio da medida mostra preocupação com o descontrole dos gastos públicos. Acusada de ser leniente com o aumento das despesas nos últimos anos, a equipe econômica tem como meta atingir um superavit primário equivalente a 3,3% do PIB em 2010. Essa medida de poupança do governo, que considera receitas e despesas, excluído o pagamento de juros sobre a dívida pública, está longe de ser alcançada. Nos últimos 12 meses, o saldo foi de 1,94% do PIB. Ao participar de um debate sobre os 10 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Mantega reiterou que o governo vai perseguir a meta de 3,3% do PIB. Ele assegurou que o Brasil enfrenta uma situação fiscal confortável e tem hoje o melhor desempenho fiscal quando comparado com os países do chamado G-20, grupo que reúne as 19 maiores economias mundiais mais a União Europeia.

Divergências O debate sobre a LRF, que reuniu algumas das principais autoridades econômicas dos governos Lula e Fernando Henrique Cardoso, foi marcado pela divergência entre Mantega e o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles. Os dois não chegaram a se encontrar pessoalmente, mas usaram o seminário organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e pela Fundação Getulio Vargas para estocar um ao outro. O ministro da Fazenda argumentou que a LRF é condição necessária, mas não suficiente para se obterem políticas públicas sólidas. ¿É preciso que as demais políticas colaborem na mesma direção¿, argumentou Mantega, para em seguida questionar o aumento de juros e o câmbio valorizado. ¿Se você tiver uma política monetária de juros muito altos, você tem deficits nominais e acaba afetando as contas públicas. Uma política cambial temerária também acaba afetando as contas públicas¿, afirmou. Ficou claro para quem o ouvia que as declarações foram uma crítica indireta ao BC. Em contraposição, Meirelles não relativizou a importância da LRF e defendeu a política de juros e câmbio do BC. Tradicional defensor do corte de gastos, ele destacou que a lei disciplinou o relacionamento financeiro entre a autoridade monetária e os demais entes públicos, especialmente o Tesouro Nacional. Em sua visão, isso permitiu que o BC tocasse medidas de estabilização de preços, apoiada na adoção de ¿rigoroso regime de metas de inflação¿, câmbio flutuante, acumulação de reservas, redução da dívida e regras mais rígidas para os bancos. ¿As políticas responsáveis colocaram o Brasil em um círculo virtuoso¿, afirmou. Para ele, a condução macroeconômica feita pelo governo reduziu os riscos externos, afastando a probabilidade de alta na inflação. O BC elevou a taxa básica de juros (Selic), na semana passada, de 8,75% ao ano para 9,50%, mas Meirelles minimizou esse movimento de política monetária. Segundo ele, a tendência a longo prazo é de queda continuada nos juros.